Especialistas falam sobre a importância de cada criança construir a sua própria identidade. Fique com estratégias facilitadoras para cuidar dos bebés nos primeiros tempos.
Ana Margarida Marques

As relações entre os gémeos vão de um polo ao outro, do amor ao ódio, refere Otília Monteiro Fernandes, Investigadora e professora de Psicologia na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. “No fundo, o grande desafio para nós, gémeos e não gémeos, é construirmos a nossa personalidade. De forma única. E nesses trajetos os irmãos gémeos não diferem dos outros: também rivalizam para o conseguir”, refere a também autora do livro “Ser Único ou Ser Irmão”. Cada um é uma parte do outro, como se fossem um “espelho de si”. 

Semelhanças à parte, a construção da identidade de cada criança tem início antes do nascimento.

“Na gravidez muitas mães conseguem distinguir qual era o que estava mais quieto ou irrequieto, e como estavam posicionados dentro da barriga. Há relatos impressionantes”, conta Maria João Nascimento, Enfermeira Especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica. É normal que o pai e a mãe se identifiquem mais com um dos filhos gémeos, adiciona. “Quase desde bebés os pais elegem um ou outro; a própria dinâmica familiar acaba por conseguir organizar-se no sentido de haver um equilíbrio.” 

Como as crianças se diferenciam

Também Teresa Abreu, psicóloga clínica, salienta a importância de olhar para cada criança como sendo única e um ser individual: “Há pais que se apercebem das diferenças entre os bebés logo na gravidez, e tratam-nos muito cedo com essa individualidade”.

Por seu turno, o pediatra Mário Cordeiro reforça a importância de os gémeos sentirem que são considerados como pessoas diferentes. As crianças começam muito cedo a construir a sua própria identidade, refere, “há um surto enorme de autonomia e uma nova identidade logo dos 9 aos 18 meses”.

A afirmação da identidade dos mais pequenos tem a ver com dois fatores, explica o pediatra, “eu sou igual ou diferente dos outros; eu faço igual ou diferente dos outros”. A diferenciação entre um e outro depende de aspetos práticos do quotidiano. “Na escola, em casa, os gémeos devem andar vestidos de forma diferente e usar coisas diferentes”, defende Mário Cordeiro. 

As próprias crianças diferenciam-se entre si naturalmente. “Nos gémeos há sempre um que campeão na capacidade motora (gatinha primeiro, anda mais cedo), enquanto o outro tem, por exemplo, capacidades linguísticas mais precoces. E vão alternando, se um gosta muito de pintar, o outro, mesmo que queira muito fazê-lo, vai brincar com os legos. Há uma distinção própria que não convém os pais unirem!”, aconselha Mário Cordeiro.

Cuidar de bebés gémeos

Os pais de gémeos beneficiam da partilha de estratégias com outros pais. É a opinião de Rita Cardoso, mãe e autora do livro “Sim, São Gémeos” (Fonte da Palavra, Junho de 2012), que apresenta estratégias facilitadoras dos primeiros anos de vida dos bebés gémeos. 

Um dos primeiros conselhos para os pais de gémeos é: “Peçam ajuda!”. Quando os pais fazem tudo sozinhos, é-lhes exigida uma dedicação única e exclusiva aos bebés, o que pode trazer consequências para a autoestima da mãe ou bem-estar do casal, aconselha Rita Cardoso.

“As ajudas são importantes, mas têm de ser bem doseadas”. Os pais devem colocar limites quando sentem que os familiares “ultrapassam a barreira da intimidade do casal e da família”. Por outro lado, os avós e outros familiares “devem saber ver quando estão a mais, e reconhecer e aceitar” a postura dos pais.

A autora aconselha os pais a criar estratégias para superar as suas principais dificuldades. Uma solução pode passar pela criação de rotinas conjuntas dos dois (ou mais) bebés, como mudar a fraldas, vestir e alimentar. No futuro, é importante encorajar os filhos para que levem a cabo as suas tarefas em simultâneo, como lavar os dentes, vestir-se e ir para a cama.

“No primeiro ano estamos desejosos que o tempo passe e esquecemo-nos de apreciar a maternidade. Olhamos para trás e pensamos que não nos lembramos de estar com os nossos filhos ao colo ou de simplesmente sentirmos o cheiro deles”, acrescenta Rita Cardoso. E conclui: “Apreciem o mais possível cada momento.”

Amamentar gémeos

Embora as reações à notícia de gémeos sejam muito díspares, por norma os pais sentem-se muito felizes. “Os pais de gémeos têm noção das dificuldades, mas no fundo consideram-se especiais e únicos”, realça Teresinha Simões. 

A natureza age no sentido de permitir às mães de gémeos poderem amamentar os seus bebés tal como se tiverem uma gravidez de uma só criança. “Conheci casos de mães que conseguiram dar de mamar seis meses em exclusivo”, explica Teresinha Simões, Médica Especialista em Ginecologia e Obstetrícia. A médica refere que existem técnicas para amamentar os bebés ao mesmo tempo, o que permite economizar tempo (e custos com o leite – a duplicar ou mais), já que acabam por ter horários iguais.

Descrição dos gémeos

Gémeos são crianças nascidas de uma mesma gravidez. O mais frequente é serem duas, mas podem ser em maior número. 

Existem vários tipos de gémeos, explica Teresinha Simões:

  • Os gémeos idênticos (monozigóticos) resultam da fecundação de um único óvulo por um único espermatozoide. O ovo ou zigoto resultante divide-se espontaneamente em dois ou mais, resultando desta divisão embriões geneticamente idênticos e originando os gémeos idênticos.
  • Já os gémeos dizigóticos (fraternos) ocorrem quando dois ou mais óvulos são fecundados por um mesmo número de espermatozoides, resultando numa gravidez múltipla em que os embriões são diferentes geneticamente entre si e originam os gémeos fraternos, por serem tão parecidos como dois irmãos. Cada gémeo tem uma placenta própria e o seu saco amniótico.

A gravidez múltipla de dois gémeos designa-se por bigemelar, de três, tripla e de quatro, quádrupla. Acima de quatro, designa-se por gravidez múltipla de ordem superior.

Nascer antes do tempo

Na gravidez gemelar o útero contrai mais cedo do que o habitual. As gravidezes de gémeos são consideradas de termo às 37 semanas. Após essa data, caso os bebés não nasçam é programada uma cesariana. Começos de uma vida diferente têm os gémeos que nascem prematuros. Segundo a Associação Portuguesa de Apoio ao Bebé Prematuro XXS, em Portugal, o número de nascimentos tem vindo a diminuir durante os últimos anos. Já a taxa de prematuridade, calculada para bebés nascidos antes das 37 semanas de idade gestacional, tem vindo a aumentar no nosso país. 

No fundo, o grande desafio para nós, gémeos e não gémeos, é construirmos a nossa personalidade. De forma única. E nesses trajetos os irmãos gémeos não diferem dos outros: também rivalizam para o conseguir.

Otília Monteiro Fernandes

Investigadora e professora de Psicologia na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro