Saúde

Bocejo “contagioso” não teria ligação com empatia

Razões que levam uma pessoa a bocejar quando vê outra fazendo o mesmo ainda são um mistério

O apresentador Zeca Camargo brinca com bocejo que deu durante o programa “Fantástico” em 2010: “contágio” ainda sem explicação
Foto: Reprodução
O apresentador Zeca Camargo brinca com bocejo que deu durante o programa “Fantástico” em 2010: “contágio” ainda sem explicação Foto: Reprodução

RIO - Embora estudos prévios tenham sugerido uma conexão entre os bocejos “contagiosos” e a empatia, nova pesquisa da Universidade Duke, nos EUA, não encontrou uma forte relação entre este fenômeno e variáveis como a própria empatia, cansaço ou níveis de energia, aprofundando o mistério em torno dele. Os cientistas, no entanto, verificaram uma queda na sua manifestação dos bocejos contagiosos com a idade e acreditam que uma melhor compreensão de suas causas biológicas por levar também a um melhor entendimento sobre doenças como autismo e esquizofrenia.

- A falta de associação no nosso estudo entre os bocejos contagiosos e a empatia sugere que eles não são simplesmente produto da capacidade de alguém para ter empatia – diz Elizabeth Cirulli, professora de medicina do Centro para Variação do Genoma Humano da instituição, e uma das autoras de artigo sobre a pesquisa, publicado na edição desta sexta do periódico “PLOS ONE”.

Os bocejos contagiosos são um fenômeno bem documentado que ocorre apenas entre humanos e chimpanzés em resposta a escutar, ver ou até mesmo pensar em bocejar e diferem dos bocejos espontâneos, que se manifestam só em razão de cansaço ou tédio. Além disso, os bocejos espontâneos são observados até em fetos ainda dentro do útero, enquanto os contagiosos só começam a ser vistos durante a infância.

As razões porque algumas pessoas são mais suscetíveis aos bocejos contagiosos também ainda são pouco compreendidas. Estudos anteriores indicaram que eles estariam correlacionados à empatia e à capacidade destas pessoas de reconhecer e entender as emoções de outras, assim como a fatores como inteligência e hora do dia. Mas indivíduos com autismo ou esquizofrenia, condições que envolvem problemas sociais, demonstram menor suscetibilidade para os bocejos contagiosos, apesar de ainda bocejarem espontaneamente.

Na tentativa de identificar como certos fatores poderiam influir na suscetibilidade de uma pessoa aos bocejos contagiosos, os pesquisadores recrutaram 328 voluntários saudáveis que foram submetidos a testes cognitivos, avaliações demográficas e responderam a questionários destinados a medir seus níveis de empatia, energia e sonolência. Os voluntários então assistiram a um vídeo de três minutos com pessoas bocejando, com os pesquisadores contando o número de vezes que bocejaram em resposta.

No experimento, os cientistas observaram que certos indivíduos eram mais suscetíveis aos bocejos contagiosos do que outros, com o número de bocejos variando entre zero e 15 durante a exibição do vídeo. Dos 328 participantes, 222 bocejaram em resposta ao vídeo ao menos uma vez, e em experimentos posteriores com o mesmo vídeo eles tenderam a bocejar o mesmo número de vezes, indicando que esta é uma característica estável de cada um. Mas ao contrário dos estudos anteriores, os pesquisadores não encontraram uma forte correlação entre empatia, inteligência ou hora do dia e os bocejos contagiosos. Segundo eles, o único fator que aparentemente pareceu influenciar no fenômeno foi a idade dos voluntários: quanto mais velhos, menor era a chance de eles bocejarem.

- Mas mesmo a idade não se mostrou tão importante para prever os bocejos contagiosos. A grande maioria da variação das respostas de bocejos contagiosos simplesmente não pôde ser explicada – conta Cirulli.

Diante disso, os pesquisadores agora querem saber se a variação nos bocejos contagiosos pode ter uma causa genética, o que acreditam também poderia servir para melhor entender condições como o autismo e a esquizofrenia.

- É possível que se identificarmos uma variação genética que faz as pessoas serem menos suscetíveis aos bocejos contagiosos esta variante ou variantes estejam no mesmo gene associado à esquizofrenia ou ao autismo – acredita Cirulli. - Mas mesmo que nenhuma associação com doenças seja encontrada, uma melhor compreensão da biologia por trás dos bocejos contagiosos pode nos informar caminhos envolvidos nestas condições.