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Cristo Redentor: acordo formalizado por Bolsonaro dá livre acesso e parte das receitas de ingressos à Igreja Católica

No entanto, acordo não encerrará todas as disputas com ICMBio. A principal delas envolve gestão de lojas que funcionavam aos pés do monumento
Acordo entre ICMBio e Arquidiocese do Rio foi firmado por termo assinado por Jair Bolsonaro, que esteve no Cristo Redentor ao lado do governador Cláudio Castro e do cardeal Orani João Tempesta Foto: Alan Santos/PR
Acordo entre ICMBio e Arquidiocese do Rio foi firmado por termo assinado por Jair Bolsonaro, que esteve no Cristo Redentor ao lado do governador Cláudio Castro e do cardeal Orani João Tempesta Foto: Alan Santos/PR

RIO — O impasse envolvendo a Arquidiocese do Rio de Janeiro e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em relação ao livre acesso da Igreja Católica ao Cristo Redentor terminou na manhã desta segunda-feira (4) com um acordo que foi formalizado em evento com o presidente Jair Bolsonaro (PL) no alto do Corcovado. Válido por 10 anos, o termo de compromisso assinado entre o ICMBio e a Arquidiocese estabelece regras de convivência entre as duas instituições permitindo o livre acesso ao Santuário independente de horário. Além disso, o Santuário ganhará uma participação na receita dos ingressos (entradas inteiras) pagos pelos cariocas e turistas que chegam ao monumento, seja pelo trenzinho ou pelas vans. Os recursos serão destinados a projetos sociais da igreja e para manter o monumento.

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O acordo ainda não encerrou todas as disputas. A principal delas envolve a gestão das lojinhas que funcionavam aos pés do monumento . Hoje, apenas uma delas se encontra aberta. Em junho de 2021, a Justiça Federal acolheu um pedido do Ibama para a desocupação dos espaços comerciais.

No mesmo evento, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) transferiu a titularidade de terrenos do governo federal nas favelas de Parque União e Rubem Vaz (Maré) e no Parque Alegria (Caju) para a Prefeitura do Rio. A ideia agora é que o município regularize a situação fundiária em cartório, com a distribuição de títulos de propriedade para cerca de 12 mil famílias que vivem nas três comunidades. Estima-se que o município gaste pelo menos R$ 8 milhões nesse processo e tudo seja concluido em dois anos.

Trenzinho parado após chuvas

O acesso ao Cristo nesta segunda-feira só pode ser feito de carro pela Estrada das Paineiras. Com as fortes chuvas do fim de semana, houve deslizamentos de terra na via férrea, e o trenzinho está paralisado desde o último sábado (2). Por conta disso, a energia também teve que ser desligada para garantir a segurança das equipes de manutenção. A previsão inicial é que o sistema seja restabelecido até o fim do dia.

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As disputas envolvendo o Corcovado ocorrem porque o Cristo Redentor fica no Parque Nacional da Tijuca, administrado pelo Instituto Chico Mendes. Em 11 de setembro de 2020, o padre Omar Raposo, reitor do Santuário e convidados para um batizado a ser celebrado na capela de Nossa Senhora de Aparecida, na base da estátua, disseram que foram barrados por seguranças do ICMBio . Eles relataram que a cerimônia atrasou pelo menos duas horas. O incidente, que não tinha sido o primeiro com o instituto, ocorreu um mês antes do ato de celebração dos 90 anos de inauguração do monumento .

Na época, o ICMBio argumentou que todo o entorno do Cristo Redentor está sob a gestão do órgão. Em dezembro, o prefeito Eduardo Paes interveio na polêmica, editando um decreto reconhecendo que a Mitra Episcopal (Arquidiocese) como efetiva gestora da área. A iniciativa deu início a um processo de Certificação de Regularização Fundiária (CRF) sobre uma área de 10,2 mil metros quadrados entre os acessos e o próprio monumento. A ação da prefeitura se dá por um mecanismo conhecido como Regularização Fundiária Urbana (Reurb), fixado em lei federal de 2017 que simplificou regras para legalizar imóveis.

— A questão dominial (sobre a propriedade da área) ainda está em tramitação na prefeitura. O que estabelecemos foi um acordo para boa convivência. Isso é muito importante. Superamos inclusive qualquer discussão política, ainda mais em um ano eleitoral. É o que eu digo: o Cristo acolhe a todos de braços abertos: é imparcial. Um dos braços é voltado para o lado direito. O outro braço, em direção ao lado esquerdo — disse o padre Omar Raposo.

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Rateio fora dos órgãos públicos

O pagamento à Mitra Episcopal de parte da arrecadação das receitas com os ingressos ainda será alvo de outro documento a ser formalizado entre as partes. A assessora jurídica da Arquidiocese, Claudine Millone Bernardes, explica que o rateio não passará por cofres públicos. A quantia será repassada antes da divisão das receitas entre as concessionárias e o ICMBio. A comissão só será cobrada sobre o valor integral pago pelas viagens de trem e de vans.

— A gente entende que esse repasse não é propriamente uma participação nas receitas. Mas um ressarcimento por todos os investimentos que a Arquidiocese do Rio fez para manter um monumento símbolo do Rio que também é um dos mais visitados do país. Somente para os 90 anos, com apoio de parceiros privados, investimos R$ 9 milhões na restauração — disse padre Omar.

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Em um acordo anterior, havia uma previsão de colaboração voluntária dos frequentadores do Corcovado. No momento da compra da entrada do trenzinho, por exemplo, o visitante decidia se pagava uma contribuição extra para a igreja. Mas essa parceria durou pouco tempo. Por enquanto, não há previsão de reajustes nas entradas por conta do acerto com a igreja. Hoje, o valor do ingresso para o trenzinho é variável. Cariocas pagam R$ 65,50 (mediante apresentação de comprovante de residência), idosos brasileiros R$ 30; e crianças R$ 60. No caso de adultos: R$ 83,50 (baixa temporada) e R$ 105,50 alta temporada. O acesso por vans sai a partir de R$ 12,50 (preço do embarque nas Paineiras).

Os principais pontos do acordo

  • A Mitra pode desenvolver livremente atividades pastorais, religiosas, inter-religiosas, ecumênicas, culturais, econômicas e sociais. Na classificação de eventos religiosos se incluem os sete sacramentos celebrados pelos católicos: Batismo, Crisma, Eucaristia, Penitência, Unção dos Enfermos, Ordem e Matrimônio. Também podem ser desenvolvidas ações litúrgicas, paralitúrgicas, devocionais e pastorais.
  • Em caso de serviços de manutenção e obras, o acesso de veículos de prestação de serviços só pode ocorrer fora do horário de funcionamento do parque.
  • A Mitra deve manter um funcionário devidamente identificado na guarita de segurança das Paineiras para identificar e liberar o acesso de autoridades eclesiásticas e convidados mesmo fora dos horários de funcionamento do Parque Nacional da Tijuca.
  • A Mitra tem direito a quatro vagas de estacionamento na base do monumento. Uma no pavimento superior e três no pavimento inferior.
  • O Iphan e o ICMBio devem autorizar previamente qualquer instalação que interfira no monumento, seja de forma urbanística ou ambiental. A exigência não se aplica no caso de estruturas provisórias, como mesas, cadeiras, iluminação e equipamentos de som.
  • A Arquidiocese deve respeitar a lotação máxima de 1,2 mil pessoas no monumento, conforme prevê o plano de manejo do Parque Nacional da Tijuca.
  • A Mitra e o ICMBio devem desenvolver um estudo técnico para estabelecer um limite máximo de decibéis que podem ser gerados em eventos no monumento. O trabalho em conjunto deve ser iniciado em até quatro meses.
  • As imagens do sistema de monitoramento do Cristo Redentor devem ser compartilhadas com a administração do Parque Nacional da Tijuca.
  • A administração do Parque Nacional da Tijuca passa a condicionar a realização de qualquer evento que use a imagem do Cristo Redentor em produções culturais, comerciais, artísticas e documentações à autorização prévia pela Arquidiocese do Rio.
  • Um Comitê de Monitoramento e Avaliação está sendo criado para fiscalizar o acordo. Ele terá dois titulares e dois suplentes (um de cada parte) além de um quinto integrante, servidor de carreira do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
  • O ICMBio é autorizado a realizar eventos de seu interesse no monumento desde que avise com um dia de antecedência e não entre em conflito com ações pré-agendadas pela Arquidiocese do Rio.