Entre todos os palácios históricos de Sintra, nos arredores de Lisboa, um em especial oferece a experiência de dormir e acordar como um aristocrata europeu da virada do século XVIII para o XIX — com o conforto do século XXI. Inaugurado em 1787 como propriedade de um rico diplomata holandês, e desde 1955 funcionando como hotel de luxo, o Tivoli Palácio de Seteais é um desses casos em que o clichê da “viagem pelo tempo” se justifica.
Administrado pelo mesmo grupo dos hotéis Tivoli Mofarrej, em São Paulo, e Tivoli Avenida, em Lisboa, este cinco estrelas tem apenas 30 quartos, o que garante uma certa exclusividade que combina com seu passado aristocrático (com diárias a partir de R$ 1.200). Neles, os móveis antigos e o piso de madeira, com seu ranger característico, convivem em harmonia com confortos modernos, como smart TVs, máquinas de café de cápsula e caixas de som com bluetooth.
A lista de hóspedes famosos é longa, com nomes como Richard Nixon, Alain Prost, David Bowie, Maria Callas, Mick Jagger e Agatha Christie. A escritora inglesa, aliás, batiza uma das suítes, a mesma onde costumava ficar, no piso térreo, e que é decorada com livros escritos por ela.
Viagem no tempo: conheça o hotel que funciona no histórico Palácio de Seteais, em Sintra
Outra suíte com nome e sobrenome é a Eça de Queiroz. Mas o romancista português nunca se hospedou por lá, já que em sua época, o palácio estava abandonado, e desse jeito foi retratado em “Os Maias”, publicado em 1888. Ainda assim, o hotel preserva um cantinho escondido onde o escritor, segundo as más línguas, declamava poesia para suas conquistas amorosas.
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O luxo que os hóspedes enxergam hoje é reflexo da fortuna do cônsul holandês Daniel Gildemeester, que detinha a exclusividade do comércio de pedras preciosas brasileiras em Portugal e construiu o palácio, seguindo o estilo neoclássico da época. Foi ele quem contratou o pintor francês Jean-Baptiste Pillement, responsável pelos afrescos que mostram uma natureza inventada, com seres fantásticos e árvores de ossos, no salão nobre. O espaço, hoje batizado de Sala Pillement, é muito usado para eventos especiais, como casamentos.
— Muita gente vem do Brasil só para se casar no Seteais. Tem um clima romântico que é único desta cidade — diz a gerente geral do hotel, Graziela Vieira Rocha, uma brasileira que trabalhou por anos no Copacabana Palace.
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Os noivos, ela conta, adoram também os jardins em forma de labirinto, originais da época do cônsul, e o Anantara Spa, que funciona no antigo pombal, uma mordomia contemporânea que certamente nobres e aristocratas daqueles tempos pagariam para aproveitar.
Após a morte de Gildemeester, em 1793, o Seteais foi vendido para o Marquês de Marialva, que duplicou o palácio e ergueu o arco triunfal entre os dois prédios, em homenagem a Dom João VI e Carlota Joaquina, que fizeram uma breve visita em 1802. Este pórtico (que emoldura a vista para o icônico Palácio da Pena) e os jardins da frente são as únicas áreas abertas à visitação de não-hóspedes. Vale um passeio para quem estiver na Quinta da Regaleira, outra atração fundamental da cidade, ali pertinho. O hotel também não é tão longe do centro da cidade, nada que uma caminhada de uns 15 minutos, ladeira abaixo, não resolva.
Depois da morte do Marquês de Marialva, em 1803, o palácio passou para seu filho, que nunca chegou a habitá-lo. O novo marquês se mudou para Londres, onde morreu 20 anos depois, sem deixar herdeiros e encerrando a casa dos Marialva. A partir daí, seguiu-se o palácio trocou de proprietários algumas vezes e entrou em declínio, chegando a ficar abandonado por décadas.
O palácio passou para as mãos do Estado português em 1946, que o converteu em hotel. Nesta nova encarnação, o Seteais ganhou a piscina e as quadras de tênis, mas manteve o ar setecentista. Administrado pelo grupo Tivoli desde 1955, passou por sua última grande reforma em 2009, quando todo seu mobiliário, a maioria do século XVIII, foi restaurado por técnicos do Museu de Artes Decorativas Portuguesas, num trabalho que envolveu cerca de 30 especialistas ao longo de 10 meses.
Recentemente, o hotel tem investido na gastronomia. O Restaurante Seteais, o principal do hotel, está a cargo do chef alemão Joachim Koerper, do estrelado Eleven, em Lisboa. Ele e sua esposa Cíntia, também chef de cozinha especializada em doces, assinam desde o farto café da manhã ao completo menu degustação do jantar, passando pelos pratos tradicionais do almoço.
Cintia Koerper, mais uma brasileira da equipe do hotel, está à frente de outro destaque gastronômico, o Chá das Rainhas. Trata-se de uma versão versão repleta de doces conventuais (inclusive os célebres travesseiros de Sintra) do chá da tarde britânico já que, segundo a versão local, foram os portugueses que introduziram a infusão de ervas vindas do Oriente nos costumes ingleses. Uma viagem no tempo, afinal.
Eduardo Maia viajou a convite do Tivoli Hotéis & Resorts