o caos quando encarado como princípio

Alanis Domingues
3 min readMay 8, 2018

Caos é uma palavra de origem grega e define o primeiro deus da mitologia a surgir no universo. Ele deriva do verbo grego chaíno que significa “separar” e remete a um vazio primordial que antecede qualquer coisa que se estabeleça depois. Pode, ainda, significar “rachadura”, “cisão” ou “corte”.

Magnum Chaos

Podemos pensar então que qualquer coisa tem como princípio o caos, a cisão. Tomando essa constatação como ponto de partida avanço (bastante!) no tempo, quando em 1960 um meteorologista chamado Edward Lorenz deu o primeiro passo pra uma teoria denominada a Teoria do Caos. De forma bem resumida, diferenças ínfimas no direcionamento de um fenômeno pode gerar resultados incalculáveis ao longo do tempo e espaço. Você já deve ter lido uma famosa frase dele que diz “o bater das asas de uma borboleta no Brasil pode causar, tempos depois, um tornado no Texas”. É uma sucessão de pequenos e “inocentes” fenômenos que, quando interligados e direcionados, adquirem potência extremamente transformadora, mesmo que esse não seja o objetivo final. De qualquer maneira, as relações entre acontecimentos é tão complexa, tão capilar, que não é possível mapear todo o caminho feito.

Por incrível que pareça, esse texto é sobre compreensão e respeito por si mesmo. Sei que talvez não faça sentido agora, mas vai fazer.

Se pensarmos na estrutura psíquica humana em paralelo com essa teoria chegamos à conclusão fatídica de que qualquer tentativa de controle e compreensão completa da nossa história enquanto sujeitos é fadada ao fracasso. E digo isso enquanto estudante de Psicologia, sempre associada a autoconhecimento e como profissão que busca “organizar” a desordem mental dos que a ela tem acesso. Acaba de me ocorrer o insight de que nossa profissão nada tem a ver com remontar nossa história desde as vivências mais infantis, muito menos catalogar memórias contando com a possibilidade de ressignificá-las, mudando um acontecimento de uma espécie de “pasta mental”. O que estou tentando explorar, sem nenhuma base científica (e aproveito pra reforçar que isso é só um insight de uma mulher insone em plena madrugada de segunda feira) é que pode ser mais efetivo se apropriar de e aprender com a desordem proporcionada pela complexidade das relações que criamos ao longo da vida. Não podemos explorar o que nos trouxe até o aqui e agora de forma completa, temos que reconhecer essa impotência. Nem em mil anos de análise poderíamos abranger 100% da dimensão de um ser humano, mas podemos nos apropriar do que está ao alcance e o que é mais pungente naquele momento, direcionando da forma de pudermos.

Reconhecer nossa impotência frente a uma ideia de controle é o primeiro passo para um amadurecimento real, porque passamos a lidar com o que temos, mesmo que seja a pior situação de nossas vidas.

É uma noção realista de que não estamos ao alcance de tudo, mas que podemos fazer algo verdadeiramente transformador com aquilo que temos, mesmo que seja bem pequeno. O caos precede mudança, construção, revolução, articulação… os substantivos são infinitos, assim como as possibilidades derivadas do “vazio primordial”.

Acho que a essa altura você já sabe onde quero chegar com isso: precisamos respeitar e compreender nosso caos interior (e anterior) para, a partir daí, direcionar nossas vidas na medida do possível. É claro que isso não é conclusivo na medida em que muitas forças que atuam sobre e moldam nossas vidas são externas e agem de forma arbitrária, levando em consideração que estamos inseridos em uma sociedade capitalista, com interesses de poucos sendo defendidos em detrimento da miséria e morte de tantos e tantos outros, e isso é campo de discussão político-econômica, para se alcançar um mundo em que todos tenham seus interesses valorizados e suas vidas potencializadas ao invés de suprimidas.

O debate é extenso, complexo e caótico, mas posso tirar dessa pequena reflexão que todos (mesmo quando oprimidos) são intensas potências de transformação.

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Alanis Domingues

o buraco que nada contém e tudo abraça com seus limites.