De 1999 a 2014, a Unimed-Rio estampou sua marca na camisa do Fluminense Football Club, um dos quatro grandes do futebol do estado. Foi mais que um patrocínio. Era uma parceria. A operadora de saúde chegou a investir R$ 25 milhões anuais no time, incluindo pagamento de até 80% dos direitos de imagem de estrelas como o atacante Fred e o meio-campista argentino Darío Conca. A sociedade gerou resultados. Enquanto a companhia aumentava sua carteira e seu faturamento, dentro de campo a equipe tricolor ganhou sete títulos. Em comunicado oficial à época, a Unimed-Rio informou que o encerramento do contrato de patrocínio foi fruto de “uma revisão da estratégia de marketing”. Mas não era só isso. O início dos anos 2010 foi marcado por uma série de ações equivocadas, que gerou crise institucional e financeira. Isso motivou a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a instaurar, a partir de 2016, um regime de direção técnica na Unimed-Rio. Na prática, a agência faz o acompanhamento presencial da gestão da empresa, que precisa cumprir compromissos. Em maio deste ano, a intervenção da ANS foi renovada por mais um período com a alegação de que “anormalidades econômico-financeiras e administrativas graves” colocam em risco a continuidade do atendimento. Oitava maior operadora de assistência médica do País, com 746 mil clientes, a Unimed-Rio registrou prejuízo de R$ 600 milhões no primeiro semestre de 2022 e tem atrasado o pagamento de hospitais e laboratórios.

O mercado e os beneficiários acompanham tudo com apreensão. O cenário não é otimista. O balanço financeiro do setor de Saúde Suplementar do terceiro trimestre deste ano, divulgado pela ANS, registrou resultado líquido negativo de R$ 2,5 bilhões no sertor. O prejuízo foi liderado pela Amil e pela Unimed-Rio. No mesmo período dos últimos quatro anos, o saldo setorial havia sido bastante positivo: R$ 6,4 bilhões em 2018; R$ 9,2 bilhões em 2019; R$ 15,9 bilhões em 2020; e R$ 3 bilhões em 2021.

SINISTROS A ANS observa dificuldades na obtenção de retorno na operação de planos de saúde desde o segundo trimestre de 2021. “Esses números indicam que praticamente 90% do arrecadado com os planos são gastos com assistência à saúde”, disse Jorge Aquino, diretor de normas e habilitação da ANS. A conta não tem fechado. A perspectiva é pior para a Unimed-Rio, que liderou os desembolsos com sinistros no terceiro trimestre. A sinistralidade (relação entre custos assistenciais e receitas) foi de 125%, a maior do setor. Mais dinheiro sai do que entra. Nos nove meses do ano, subiu a 112%, contra 83% do mesmo período de 2019. São 29 pontos percentuais a mais, maior aumento registrado pelo mercado. O setor como um todo fechou o terceiro trimestre em 93% na sinistralidade, já considerado alto.

INTERVENÇÃO ANS renovou o acompanhamento das contas e da administração da Unimed-Rio. (Crédito:Divulgação)

Esse momento conturbado tem como pano de fundo uma relação que envolve uma família tradicional do ramo e empresas do setor. Sob condição de anonimato, um executivo do setor afirma que a Supermed, administradora de benefícios, estaria no centro desse imbróglio que envolveria certo “conflito de interesses”. A empresa foi constituída em outubro de 2020, com capital de R$ 49,5 milhões. Nos bastidores comenta-se que, num primeiro momento, a Supermed adotou a tática de oferecer produtos com custo abaixo do mercado para engordar a carteira de associados da Unimed-Rio. O resultado disso é o exposto acima: com receitas mais baixas e sinistralidades altas, a última linha do balanço é inevitavelmente vermelha para a empresa fluminense.

MIGRAÇÃO Mais recentemente, em outra estratégia, a Supermed estaria atacando a própria base de conveniados da Unimed-Rio, ao estimular — com cartas e material de marketing — a migração dos beneficiários para a Vision Med (Golden Cross), que possui 220 mil inscritos. Coincidentemente ou não, dados da ANS mostram uma variação de associados muito próxima entre as duas operadoras de abril a setembro deste ano. A Unimed-Rio perdeu 14.999 assinantes, enquanto a Vision Med ganhou 14.230. São donos da Supermed Christian Afonso Bulus e Patrick Afonso Bulus. Eles são filhos de Alberto Bulus e Neide Bulus, filha do dono da Golden Cross. Há uma relação ainda mais antiga entre as empresas. Em 2013 a Unimed-Rio comprou a carteira de 160 mil clientes pessoa física da Golden Cross. Base que gerava prejuízo na Golden e seguiu gerando déficit na Unimed-Rio, segundo fontes do mercado.

Em nota, a Supermed afirmou que é falsa e difamatória essa informação sobre um possível movimento em relação à carteira da Unimed-Rio. A empresa, diz a nota, é a maior parceira comercial da Unimed-Rio em vendas e em administração de benefícios. Além disso, ressalta que é líder no mercado de administração de benefícios no Rio de Janeiro e que trabalha com mais 5 operadoras de saúde. Por fim, a Supermed informa que não envia propostas de planos de saúde por correio.

A Unimed-Rio está no topo do ranking de reclamações da ANS. As queixas apontam principalmente para reajustes abusivos, que chegariam a até 133%, segundo apuração da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), órgão do Ministério da Justiça, que oficiou a operadora a dar explicações. Neste momento, pairam dúvidas sobre a continuidade da operação da Unimed-Rio. O patrimônio líquido negativo — quando os valores das obrigações superam a soma de todos os ativos da empresa — deve bater a casa de R$ 1 bilhão. E sem a Unimed, o Fluminense foi campeão do Campeonato Estadual do Rio de Janeiro deste ano.

“Passamos por profundo processo de ajustes nas contas”

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Sob comando do presidente Romeu Scofano, a Unimed-Rio afirmou, por nota, que o mercado de saúde suplementar sofreu graves impactos ao longo de 2022, afetando todos os players, principalmente aqueles que ainda oferecem planos individuais, já que esses produtos tiveram reajuste negativo em 2021. Segundo a empresa, o mercado no geral tem retomado de maneira expressiva os procedimentos que haviam ficado represados durante a pandemia de coronavírus.

Sobre os supostos reajustes abusivos dos planos, a cooperativa disse que segue os índices acordados em contrato e está dentro das práticas de mercado adotadas por todas as operadoras. “Como o setor é extremamente competitivo, não há espaço para aumentos acima dos praticados pelo mercado.”

Acerca do quadro financeiro da companhia, a Umimed-Rio apontou — sem apontar o período a que se refere — que voltou a crescer e consolidou-se como uma das líderes do mercado carioca. Mas admitiu que “vem passando também por um profundo processo de ajuste em suas contas, que incluiu cortes de custos e a venda de ativos importantes, como a antiga sede da empresa”. “Neste momento de crise de todo o setor, a cooperativa informa que está implementando planos de ação para manter os níveis de qualidade pelos quais sempre foi reconhecida”, afirmou a empresa.