Seja no bairro dos Jardins, em São Paulo, ou na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, é fácil perceber que o Brasil é pobre e desigual. Embora estas duas regiões sejam consideradas de alto padrão, a comprovação da miséria está por todas as partes. Sobram barracas com famílias em situação de rua e pessoas desempregadas com papelões nas mãos pedindo ajuda nos semáforos para sobreviver. A triste novidade é que a situação, em vez de melhorar, está piorando. O fracasso das políticas públicas de proteção social (mesmo com a distribuição de auxílios) e a pandemia de Covid-19 fizeram disparar a pobreza no Brasil em 2021, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dados divulgados na sexta-feira (2) mostram que o total de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza saltou 22,7% em 2021 em relação a 2020.

Já o número de pessoas em situação de extrema pobreza — classificação do IBGE para definir a miséria — disparou 48,2% no mesmo período. Para ficar mais claro: pelos critérios do Banco Mundial, são consideradas extremamente pobres as famílias que dispõem de menos de US$ 1,90 por dia para viver, valor que correspondia, em 2021, a uma renda per capita mensal de R$ 168. Já as famílias classificadas como pobres são aquelas que têm menos de US$ 5,50 por dia para garantir a sobrevivência de todos que vivem no mesmo domicílio, o que equivalia a uma renda mensal per capita de R$ 486.

Nas duas bases de comparação, na pobreza e na miséria, os aumentos foram recordes. Desde 2012, quando a economia cresceu apenas 0,9%, o Brasil nunca havia registrado um avanço tão grande da pobreza e da miséria. Se os porcentuais já assustam, os números absolutos impressionam ainda mais. No período atual analisado pelo IBGE, 11,6 milhões de brasileiros passaram a viver abaixo da linha da pobreza. Outros 5,8 milhões passaram a viver em condições de extrema pobreza. Assim, o País passou a ter 62,5 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, dos quais 17,9 milhões eram extremamente pobres. Esses contingentes são equivalentes a 29,4% da população em situação de pobreza e 8,4% em condição de extremamente pobre. Ou seja, entre cada dez brasileiros, três vivem abaixo da linha da pobreza, sendo um deles em condição de extrema pobreza. Uma catástrofe.

Para o economista André Simões, analista da pesquisa do IBGE, a tímida recuperação do mercado de trabalho não tem sido capaz de reverter o processo de empobrecimento da população, prejudicada principalmente pela queda do poder de compra causada pela inflação. “O impacto da pandemia sobre os mais pobres foi muito grande e a recuperação do mercado de trabalho em 2021 não foi suficiente para reverter as perdas de 2020”, afirmou. “O [então] corte no valor do auxílio emergencial também ajuda a explicar esses resultados ruins.”

ELEIÇÕES O aumento da pobreza se mostrou também um fator decisivo na política. Maiores bases eleitorais do governo eleito, nas regiões Norte e Nordeste, foram as que tiveram maior crescimento da pobreza e da miséria, segundo os dados IBGE. O Nordeste, pode exemplo, é a região que concentra mais da metade das pessoas extremamente pobres do País. Quase metade dos pobres também vivia no Nordeste em 2021. Esse retrato ajuda a explica o abismo entre Lula e Bolsonaro na região.

No segundo turno das eleições deste ano, Lula teve 69,34% dos votos válidos, pouco mais de 22,5 milhões de pessoas. Já o atual presidente, que recentemente declarou que “não existe fome para valer no Brasil”, teve 30,6% da preferência — ou 9,9 milhões de votos. O Piauí, mais uma vez, foi o estado onde Lula obteve mais votos na região. Quase 77% dos piauienses votaram no petista no segundo turno. Na sequência estão os baianos, com mais de 72% dos votos válidos e, depois, os maranhenses, com mais de 71%. “O que a gente pode dizer: se for a qualquer padaria aqui, não tem ninguém pedindo para você comprar um pão para ele, isso não existe”, disse Bolsonaro. “A verdade a gente não pode deixar de dizer. Eu, falando isso, estou perdendo voto.” E perdeu. Em uma campanha eleitoral debatida com o fígado, o estômago (vazio) quem falou mais alto.