Terra da Gente

Por Nicolle Januzzi, Terra da Gente


Larva do bicho-do-coco é consumida em várias regiões do Brasil — Foto: Ben P/iNaturalist

Bicho-do-coco, larva-do-coquinho, gongo, coró, morotó, tapuru e até kadeg são nomes populares usados para designar a larva do besouro Pachymerus nucleorum, uma das espécies da família dos bruquídeos, que têm ampla distribuição no Brasil.

Com mais de 2 centímetros de comprimento, a larva é muito encontrada dentro do coco do babaçu, uma palmeira brasileira. Mas como ela vai parar lá?

Após a cópula entre besouros da espécie, as fêmeas colocam os ovos na superfície dos cocos. No caso do babaçu, em coquinhos caídos no chão. Depois de cerca de 10 dias, a larva eclode, penetra no fruto e vai até a semente, onde se desenvolve.

"Essa primeira fase de larva recém-eclodida é a única em que ela possui pernas, possibilitando chegar na semente. Após a primeira muda ou ecdise, a larva perde essas estruturas e continua seu desenvolvimento como uma larva ápoda, ou seja, sem pernas” explica Jéssica Viana, doutora em Entomologia e pós-doutoranda em Ciências Ambientais na Universidade do Estado do Pará (UEPA).

Fêmea do besouro 'Pachymerus nucleorum' deposita os ovos na superfície dos cocos de palmeiras — Foto: The Leach/iNaturalist

Depois disso, todo o desenvolvimento continua dentro do coco, com a larva se alimentando da castanha. De acordo com a pesquisadora, ao final da fase de larva, o indivíduo ocupa praticamente todo o interior do endocarpo, fazendo um casulo com restos de fezes e material oriundo da alimentação, empupando assim que o casulo fica pronto.

Ao sair da pupa, Jéssica esclarece que o adulto ainda permanece dentro do coco por alguns dias, endurecendo o exoesqueleto, para conseguir sair do fruto. O ciclo de vida do Pachymerus nucleorum dura de seis a sete meses, aproximadamente.

“A larva só sai do coquinho com a quebra deste fruto e, quando isso ocorre, seu ciclo é interrompido levando essa larva à morte. As condições ambientais dentro do fruto são essenciais para o desenvolvimento dessa espécie”.

Babaçu é uma palmeira nativa do Brasil — Foto: Antonio Leal Silva/iNaturalist

Além do babaçu, a larva-do-coquinho também pode se desenvolver nos frutos de outras palmeiras, como a ariri, ariri-das-caatingas, butiazeiro, carnaúba, coco-caboclo, palmito amargo, piassava, entre outros.

Quando adulto, o besouro é menor que a larva, medindo no máximo 18 milímetros. De coloração marrom, o inseto pode servir de alimento para muitos animais insetívoros. Mas como as larvas da espécie ficam sempre dentro dos frutos, elas nunca são predadas. Certo? Errado.

“São poucos os animais que se especializaram a ponto de se alimentar delas, principalmente nos estágios de larva e pupa, mas dentre essas espécies, têm as vespas parasitóides. As larvas dessas espécies de vespa parasitam ovos, larvas e pupas de besouro, matando o besouro apenas no final do desenvolvimento, quando se torna um adulto de vespa livre”, esclarece a especialista.

Fora as vespas, outros animais que consomem as castanhas das palmeiras e/ou possuem métodos para conseguir quebrar os cocos também podem consumir as larvas, como pacas, cotias e macacos. Quem também se alimenta dessas larvas são os humanos.

farofa de içá — Foto: Globo Repórter

Entomofagia

No Brasil, 135 espécies de insetos são utilizadas tradicionalmente como alimento, principalmente por povos ribeirinhos, quilombolas e indígenas. Esses povos consomem, não só espécies de larvas de besouros, como também lagartas, abelhas, formigas e gafanhotos.

“A entomofagia, consumo de insetos por humanos como fonte alimentar, pode parecer exótico para as pessoas que moram nos ambientes mais urbanos, mas é praticada no meio rural e, principalmente, nas comunidades tradicionais”, relembra Jéssica.

Feira com degustação de pratos feitos com insetos comestíveis em Piracicaba — Foto: Comunicação Esalq/Piracicaba

As informações foram apresentados na versão brasileira do "Atlas dos Insetos: fatos e dados sobre as espécies mais numerosas da Terra", de 2021. Segundo um balanço publicado na Revista Fapesp, os grupos mais consumidos são os himenópteros (ordem das formigas), com 63% do total, seguidos pelo coleópteros (besouros), com 16%, e os ortópteros (gafanhotos e grilos), com 7%.

Em escala global, o material relata também que cerca de 2 bilhões de pessoas utilizam os insetos na dieta diária, em mais de 130 países. Esse tipo de alimento contêm altas quantidades de proteínas, lipídeos, além de sódio, potássio, zinco, fósforo, manganês, magnésio, ferro, cobre e cálcio.

“Em vários países da Ásia, África e América Latina, são alimentos comuns e comercializados em feiras, contribuindo como alternativas de subsistência e na segurança alimentar por serem recursos abundantes e nutritivos, sendo facilmente coletados”, relembra Jéssica.

Dados do 'Atlas dos Insetos: Fatos e dados sobre as espécies mais numerosas da Terra'. — Foto: Bartz / Stockmar, CC BY 4.0

No caso do coco do babaçu, a castanha é o produto mais apreciado, mas a larva também é consumida por possuir sabor da fruta. Em Minas Gerais e partes do Norte e Nordeste, é comum o consumo de larvas de Pachymerus nucleorum preparadas fritas, como farofa, ou misturadas no arroz.

O jornalista do Terra da Gente Paulo Augusto, em uma expedição pela Amazônia, experimentou o sabor de coco do gongo.

"Foi uma experiência saborosa, apesar do receio no primeiro momento, já que a aparência não era muito apetitosa. Quando você morde parece um coraçãozinho de frango, que as pessoas comem nos churrasco, mas com sabor de coco. Tem muita proteína e é saborosa. Pode salvar a vida de um sobrevivente na mata", diz o repórter.

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