Exposições

Contar, juntar, pintar: há “Pintura de Histórias” de Júlio Pomar para ver

20 maio 2022 23:35

José Luís Porfírio

José Luís Porfírio

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Jornalista

Julgamento de Páris, 2002. Três deusas gregas — Hera, Atena e Afrodite — em versão negro-africana

Entre a pintura de intervenção política, os registos do quotidiano ou a ilustração de obras literárias, Pomar sempre tinha alguma história para contar

20 maio 2022 23:35

José Luís Porfírio

José Luís Porfírio

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Jornalista

Chamavam-lhe Pintura de História e era o género artístico mais importante de uma hierarquia de temas que vinha por aí abaixo até à natureza-morta, assunto menor e pintura de coisas reles que não se podiam comparar com a grandiosidade de uma história, sagrada, mitológica ou profana, sempre exaltada pela própria pintura entre deuses, santos e heróis. Júlio Pomar (1926-2018) sempre gostou de pretextos figurativos para pintar, ele mesmo o disse com aquela autoironia tão saborosa que lhe era peculiar: “Pintor dotado de pouca inventiva, foi-me sempre necessário um esteio, um enredo... para que, bem ou mal, a mão se ponha em marcha” (“1 Ano de Desenho, 4 Poetas no Metropolitano de Lisboa”, CAM — Fundação Calouste Gulbenkian, 1984).

Entre a pintura de intervenção política inicial, os registos do quotidiano, a ilustração de obras literárias, o retrato, o autorretrato e a figuração imaginária de personagens da cultura, Pomar sempre tinha alguma história para contar. As que dizem respeito a esta exposição têm a ver com um largo período do seu trabalho, entre o meio dos anos 1980 e os anos 2010, um “período tardio” (Hellmut Wohl, na folha de sala) que é o de uma esplendorosa maturidade onde domina a pulsão do fazer/dizendo, uma força devoradora entre o gesto e a colagem que integra as mais inesperadas coisas: brinquedos, madeiras, ossos, espuma de poliuretano, animais embalsamados, penas, etc., num continuum material que a pintura absorve, digere e transforma. Os temas são também de grande variedade: os bíblicos, mais raros (“Adão e Eva”), e os mitológicos, mais abundantes (“O Julgamento de Páris”, “Ulisses e as Sereias”, “Rapto de Europa”, “Diana e Actéon”), lendas portuguesas (“Fuas Roupinho”) e figuras literárias (“D. Quixote”).