A Revista do Expresso

Imagens de uma vida: Eduardo Gageiro, o fotógrafo nato, conta a sua

6 maio 2023 21:56

Cristina Margato

Cristina Margato

texto

Jornalista

antónio pedro ferreira

Aos 88 anos, Eduardo Gageiro é igual ao que sempre foi: um fotojornalista com um olhar comprometido com os princípios sociais e formais do neorrealismo. Senhor de uma personalidade combativa e sem filtros. Não faltou ao último 25 de Abril, acompanhado da máquina fotográfica

6 maio 2023 21:56

Cristina Margato

Cristina Margato

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Jornalista

Acordado a meio da noite por um burburinho, Eduardo desceu as escadas e espreitou para dentro da casa de pasto que ficava no andar de baixo. À sua frente mulheres bonitas e homens bem vestidos comiam à mesa. Vendo-o, o pai gritou-lhe um ralhete que o fez correr para a cama. “Não o larguei, nos dias seguintes, até ele acabar por me dizer quem eram aquelas pessoas…” Nas mesas onde os operários comiam pela manhã a sopa, à noite homens bem vestidos e acompanhados de ‘vamps’ deliciavam-se com o bacalhau. “Era gente muito diferente dos operários da fábrica que aqueciam a marmita no fogão da minha mãe. Aquilo revoltou-me. Que vida era aquela?” Num Portugal desnutrido, o pai de Eduardo Gageiro (n. 1935) servia bacalhau, um dos produtos mais cobiçados e contrabandeados daquela década de 40 do século XX, aos que vinham do Parque Mayer ou do Casino do Estoril a más horas. “Comprava-o aos fiscais, eles é que faziam a trafulhice... Ainda me lembro de ir ao Quartel de Sacavém à procura do sargento Faria, que era o homem que tratava das refeições. Levava uma alcofinha. Devia ser para não dar nas vistas… e trazia a carne que ele desviava da cantina dos soldados.”

Sentado numa espécie de salinha envidraçada que antecede a entrada para o laboratório onde costuma imprimir as suas fotografias, agora com a ajuda do neto Afonso, continua: “Se não fosse o meu neto, acho que já tinha morrido. Ele é que vai às compras. Ele é que me ajudou a fazer este último livro. Ele é que escreveu às instituições a pedir apoios... tostões, que ainda por cima não são dados a fundo perdido, porque ofereço livros em troca. E sabe: recebi muitos ‘nãos’ com argumentos falsos. É um mundo cão!” Aos 88 anos é igual ao que sempre foi; fotojornalista de um olhar comprometido com os princípios sociais e formais do neorrealismo; senhor de uma personalidade combativa e sem filtros, que o faz ser direto: “Dizem que tenho mau feitio… Só se for porque digo a verdade na cara dos malandros.”