A Revista do Expresso

Herói ou traidor. Marcelino da Mata é uma discussão impossível?

24 abril 2022 8:32

Luís M. Faria

texto

Jornalista

Marcelino da Mata participou em 2412 operações na Guiné. Era brutal, mas “a admissibilidade ou não de crimes de guerra não é uma responsabilidade do Estado português”, diz ao Expresso o autor do livro

alberto frias

Na biografia “O Fenómeno Marcelino da Mata”, o advogado Nuno Gonçalo Poças aborda a história controversa do militar guineense condecorado pelo Estado português, que morreu em 2020

24 abril 2022 8:32

Luís M. Faria

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Jornalista

Em 2020, a morte do antigo comando português Marcelino da Mata trouxe de volta um script que costuma desenrolar-se quando há polémicas em torno de eixos clássicos de divisão entre esquerda e direita. O eixo principal tinha a ver com os deveres e as responsabilidades de um militar ao serviço de uma guerra colonial numa ditadura. Onde um dos lados via um patriota e um herói, o outro via um traidor (ao povo guineense de onde provinha) e um carniceiro. Embora seja um clichê, é mesmo verdade que ambos tinham razão, cada um na sua perspetiva. O problema é que as perspetivas mal se ouviam uma à outra, o que não permitiu avançar muito a discussão.

Marcelino da Mata, nascido em 1940, era o militar mais condecorado do exército português. Participou em 2412 operações na Guiné. As suas missões envolveram com frequência atos de crueldade desnecessária que constituem crimes de guerra segundo qualquer definição razoável. Ele próprio os admitiu publicamente. De uma das vezes, segundo contava, Marcelino mutilou um inimigo de forma bárbara, supostamente em retaliação por um ato idêntico. “Apanhámos o gajo, despimos-lhe a farda, fizemos-lhe a mesma coisa que ele fez ao outro: cortámos-lhe a piça, metemos-lha na boca. A mesma coisa que ele fez aos tais soldados brancos”, diz o ex-comando num vídeo que se encontra disponível no YouTube.