5 Décadas de Democracia

Será a pobreza apenas uma questão de falta de dinheiro?

Será a pobreza apenas uma questão de falta de dinheiro?
Foto José Caria

O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Nos próximos meses, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. Em novembro, o foco da análise é a pobreza e as suas múltiplas dimensões

OS FACTOS

Os dados sobre o número de pessoas em situação de pobreza em Portugal são claros: em 2021, 16,4% da população encontrava-se em risco de pobreza após transferências sociais. Mas se olharmos para a pobreza e para a exclusão social, o valor aumenta para dois milhões de portugueses.

Mas como se define a pobreza no país? Para o Estado, qualquer pessoa que viva com menos de €6.608 (valor de 2021, o último ano disponível na Pordata) por ano é considerada pobre – significa ter menos de €550,66 por mês. Este é o indicador conhecido como limiar do risco de pobreza, que em 2020 era de €6.653, mais do que €5.269 estabelecidos em 2015.

Analisados os dados referentes à quantidade de cidadãos que recebem o Rendimento Social de Inserção (RSI), observa-se que eram, em 2022, mais de 262 mil. Destes, a larga maioria (108 mil) tinha menos de 25 anos, mais de 43 mil tinha entre 25 e 39 anos, 53 mil tinha entre 40 e 54 anos, e perto de 57 mil tinha mais de 55 anos.

Desde 2007, quando existam mais de 369 mil beneficiários de RSI em Portugal, o ano em que se registaram mais apoios foi em 2010 com 525.577 pessoas a receber este subsídio. De lá para cá, a tendência tem sido de redução do número de beneficiários, uma trajetória interrompida no ano seguinte à chegada da pandemia de covid-19. Em 2021, 262.210 habitantes recebiam RSI, mais 4.238 do que em 2020.

262.542

era o número total de beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) em 2022, mais do que em 2021 e 2020, mas menos do que os 267.389 registados em 2019

Mas vale a pena considerar ainda a taxa de pobreza extrema no país, que considera um limiar de 50% do rendimento mediano. De acordo com o relatório anual “Portugal, Balanço Social 2022”, da Nova School of Business and Economics (Nova SBE), em 2020 12,4% da população encontrava-se em situação de pobreza extrema, enquanto 18,4% estava em risco de pobreza e 29,1% em vulnerabilidade económica.

COMO CHEGÁMOS AQUI

A questão, porém, é se a pobreza é exclusivamente uma questão de falta de recursos financeiros. Para o investigador e economista Carlos Farinha Rodrigues, a resposta é um redondo não. “É ilusório pensar-se que a transferência de recursos para as famílias seja suficiente para erradicar a pobreza e, sobretudo, para eliminar a exclusão social”, explica. E é fácil perceber porquê: o acesso a serviços básicos “como a saúde ou a educação desempenha um papel cada vez mais importante nas condições de vida das famílias”.

Aliás, Carlos Farinha Rodrigues lembra os efeitos negativos da pandemia de covid-19 no indicador de exclusão social e aponta que a crise gerou um acréscimo de “246 mil pessoas em situação de pobreza e exclusão social”. O problema, considera, é que esse impacto não é “diretamente captado pelos indicadores de pobreza tradicionais”, o que mascara a realidade da população portuguesa. Se pensarmos, como defende o investigador e tantos outros economistas, que a educação é um dos principais meios para subir no elevador social, a privação de milhares de alunos de acesso normal às atividades educativas durante os dois anos marcados pela pandemia é, em si mesma, uma forma de agudizar a exclusão social.

“No contexto da União Europeia, Portugal permanece um país com elevados níveis de pobreza e de exclusão social. Em 2021, último ano para que dispomos de informação estatística oficial, cerca de 1,7 milhões de portugueses encontravam-se em situação de pobreza monetária e cerca de dois milhões em pobreza ou exclusão social”, conclui Carlos Farinha Rodrigues

O estudo sobre os efeitos da covid-19 na educação, da autoria do Conselho Nacional de Educação, refere precisamente essa realidade. Lê-se no documento que “o recurso ao ensino remoto de emergência e a imposição de períodos longos de confinamento alteraram as condições e os espaços de aprendizagem”, tendo acentuado “diferenças entre alunos, escolas, regiões, países”. “Em países muito desiguais, como é o caso de Portugal, nomeadamente em termos socioeconómicos, esta questão terá sido colocada com mais acuidade, dada a quebra de rendimento de muitas famílias durante a crise pandémica”, afirmam os autores do relatório.

As consequências da pobreza vão, por isso, muito mais além do que apenas a privação financeira – estendem-se às desigualdades na educação (por exemplo, pela incapacidade de sustentar explicações adicionais) e na saúde (pela maior propensão a sofrer de determinadas doenças, em virtude de uma alimentação fraca). Uma vez pobre, dar a volta à situação económica pode ser um desafio difícil de superar.

A propósito do estudo “A pobreza em Portugal: trajetos e quotidianos”, o professor da Universidade dos Açores, Fernando Diogo, esclarece, no podcast “Quem são os pobres em Portugal”, que o que se observa “é a persistência da pobreza ao longo da vida”. Mais do que a entrada de novas pessoas nesta situação, “o cerne do problema é a grande maioria das pessoas que está, de forma muito persistente, há gerações em situação de pobreza”.

10%

é a taxa de pobreza máxima que o Governo quer atingir até ao final desta década, uma “meta ambiciosa” nas palavras do executivo, que pretende alcançar com mais de 270 medidas em seis eixos estratégicos

PARA ONDE CAMINHAMOS

Um dos principais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas é a erradicação da pobreza até 2030, uma meta que muitos consideram impossível de atingir, mas para a qual se deve trabalhar afincadamente. Por cá, o Governo aprovou, em dezembro de 2021, a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza que foi, para Carlos Farinha Rodrigues, “um marco importante”, mas ainda aquém do que seria preciso fazer. “A sua implementação implica vontade política e o reconhecimento claro de que combater a pobreza é um elemento estruturante para um crescimento sustentando e inclusivo que potencie a coesão social e o desenvolvimento económico e social”, aponta o investigador, que também participou na comissão de coordenação responsável por este documento.

Este caminho de redução da pobreza no país faz-se, segundo o Governo, com “mais de 270 medidas” que vão permitir “fazer baixar a taxa de risco de pobreza para os 10% em 2030”. O próprio executivo reconhece ser “uma meta ambiciosa”, mas possível com base nas conquistas da última década: diz o Governo que, entre 2015 e 2022, saíram da situação de risco de pobreza ou exclusão social 659 mil pessoas. Foi também em 2022 que “Portugal registou a maior descida” neste indicador em toda a União Europeia para 20,1%.

A estratégia aprovada no final de 2021 assenta em dois planos de ação, o primeiro a concretizar entre 2022-2025 e o segundo entre 2026-2030. Na primeira fase, são seis os eixos prioritários: reduzir a pobreza nas crianças e jovens e nas suas famílias; promover a integração plena dos jovens adultos na sociedade e a redução sistémica do seu risco de pobreza; potenciar o emprego e a qualificação como fatores de eliminação da pobreza; reforçar as políticas públicas de inclusão social e promover e melhorar a integração societal e a proteção social de pessoas e grupos mais desfavorecidos; assegurar a coesão territorial e o desenvolvimento local e, por último, fazer do combate à pobreza um desígnio nacional. Entre o conjunto de ações a concretizar, destaque para o alargamento das creches gratuitas para 120 mil crianças em 2024 ou o combate à pobreza energética.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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