Cultura

Morreu o artista e poeta português Fernando Lemos

17 dezembro 2019 18:21

Fernando Lemos, fotografado em exclusivo para o Expresso, no Centro Português de Surrealismo, na Fundação Cupertino de Miranda, em junho de 2018

ricardo castelo / nfactos

Nascido em Lisboa e radicado há décadas em São Paulo, no Brasil, o artista de 93 anos a quem “a ditadura de Salazar levou a juventude” disse recentemente ao Expresso estar feliz com a vida que levou

17 dezembro 2019 18:21

O artista, poeta e fotógrafo português Fernando Lemos morreu ao início desta terça-feira, em São Paulo, Brasil — eram 13h45, hora de Brasília, mais três em Portugal Continental. A notícia foi confirmada ao Expresso pela mulher, Bia Overmeer, que acrescentou que o marido estava internado desde 30 de novembro no hospital do São Luís do Murumbi, em São Paulo, cidade onde ambos viviam.

Fernando Lemos nasceu há 93 anos, na Rua do Sol ao Rato, em Lisboa, de onde partiu para o Brasil em 1953. Tinha 27 anos. Antes disso fotografou nomes como Arpad Szenes, Vieira da Silva, Sophia de Mello Breyner Andersen, Jorge de Sena, Adolfo Casais Monteiro, Agostinho da Silva, José Cardoso Pires, Cesariny, António Pedro, Glicínia Quartin, Alexandre O’Neill, José-Augusto França. Além da fotografia, fez pintura e escreveu, foi gráfico e professor, designer e poeta, num percurso artístico dedicado ao surrealismo, movimento onde o seu nome está gravado como o de um mito.

O artista esteve em Portugal em junho deste ano para a inauguração de uma exposição antológica que o MUDE (Museu do Design e da Moda) apresentou na Cordoaria Nacional, em Lisboa, altura em que foi também lançada uma antologia poética do autor, pela Porto Editora. Nessa passagem por Portugal, Fernando Lemos conversou com o Expresso: “A solidão é uma trincheira, o lugar onde você ataca e defende, onde você é você”, disse, garantindo que a ditadura de Salazar lhe levou a juventude. Foi por causa dela que se exilou no Brasil, país onde descobriu uma nova vida da qual nunca mais se quis libertar.

No ano passado, numa visita a Portugal por ocasião da inauguração do Centro Português do Surrealismo, na Fundação Cupertino de Miranda, em Vila Nova de Famalicão, deu uma grande entrevista ao Expresso sobre a vida, passado, presente e futuro. “A liberdade não é um crachá”, afirmou então.

Obra sem fronteiras

Fernando Lemos estudou pintura e litografia na Escola de Artes Decorativas António Arroio e, mais tarde, pintura na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, tendo iniciado a sua atividade artística ligado ao Movimento Surrealista, no início da década de 50. A fotografia ocupava-lhe uma grande parte do tempo nessa altura, tendo exposto pela primeira vez na Casa Jalco (1952), em Lisboa, com artistas como Marcelino Vespeira e Fernando Azevedo.

Em 1953, dececionado com a situação do país, tanto em termos culturais como políticos, partiu para o exílio, no Brasil, onde vivia deste então. Abandonou aí a fotografia para se dedicar em exclusivo à pintura, ilustração (incluindo para jornais culturais, posters e coleções de revistas), tapeçaria e design gráfico e de pavilhões para eventos culturais. Em 1994, o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian dedicou-lhe uma exposição — uma retrospetiva da sua obra fotográfica.

No Brasil foi diretor de várias instituições culturais e acumulou distinções, como o prémio de “melhor desenhista brasileiro”, na IV Bienal de São Paulo. Trabalhou em instituições públicas brasileiras e foi professor Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, além de presidente da Associação Brasileira de Design Industrial.