E se o Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul lançassem a sua própria moeda para desafiar o domínio do dólar?

O que aconteceria se a África do Sul e os BRICS, ou seja, o Brasil, Rússia, China, Índia, lançassem a sua própria moeda para desafiar o domínio do dólar? Países reúnem-se na próxima semana e possibilidade está em cima da mesa.

Os BRICS vão reunir-se entre 22 e 24 de agosto na África do Sul, e uma das discussões da agenda está na criação de uma nova moeda conjunta.

Estes países estão a tentar reduzir a sua dependência do dólar há mais de uma década, e as sanções ocidentais à Rússia após a invasão da Ucrânia aceleraram o processo.

Para além disso, o aumento das taxas de juros e a recente crise da dívida nos EUA levantaram preocupações entre outros países sobre as suas dívidas denominadas em dólares e o fim do dólar caso a principal economia do mundo fique inadimplente.

Mihaela Papa, professora assistente adjunta de Desenvolvimento Sustentável e Governança Global da The Fletcher School, da Tufts University, sublinha num artigo no ‘The Conversation’ que a criação de uma nova moeda dos BRICS vai enfrentar grandes obstáculos antes de se tornar uma realidade. No entanto, estes estão a unir esforços para desenvolver este projeto.

Atualmente 88% das transações internacionais são realizadas em dólares norte-americanos e o dólar corresponde a 58% das reservas cambiais globais.

No entanto, a “desdolarização, ou seja, a redução da dependência de uma economia do dólar americano para comércio e finanças internacionais, tem acelerado após a invasão russa da Ucrânia.

Neste cenário, a Rússia, China e Brasil passaram a usar moedas diferentes do dólar nas suas transações internacionais.

Da mesma forma, o Iraque, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos estão também a explorar alternativas ao dólar, bem como os bancos centrais que estão a tentar procurar a possibilidade de desviar mais das suas reservas cambiais do dólar para o ouro.

Mihaela Papa explica que as autoridades russas têm defendido a “desdolarização” para aliviar o impacto das sanções, tendo também em conta que os bancos russos não podem usar o SWIFT, o sistema global de mensagens que permite transações bancárias, e que o Ocidente congelou 330 mil milhões de dólares em reservas ao regime de Putin.

Para além disso, no ano passado foi eleito Lula da Silva como novo Presidente do Brasil, que é um defensor de longa data dos BRICS, e que anteriormente procurou reduzir a dependência e a vulnerabilidade do Brasil ao dólar.

Já o Governo chinês também demonstrou as suas preocupações com o domínio do dólar, rotulando-o de “a principal fonte de instabilidade e incerteza na economia mundial”.

Do lado dos EUA, a secretária do Tesouro, Janet Yellen, acredita que o dólar continuará dominante, já que a maioria dos países não tem alternativa. No entanto, um ex-economista da Casa Branca vê uma forma de uma moeda dos BRICS acabar com o domínio do dólar.

A especialista explica que, para que uma nova moeda funcione, os BRICS precisariam de concordar com um mecanismo de taxa de câmbio, ter sistemas de pagamento eficientes e um mercado financeiro bem regulado, estável e líquido.

Mihaela Papa sublinha que uma versão BRICS do euro seré improvável por enquanto, até porque nenhum dos países envolvidos tem demonstrado qualquer intenção de descontinuar sua moeda local. Em vez disso, o objetivo passa, em primeiro lugar, por criar um sistema de pagamento integrado eficiente para transações internacionais, e apenas depois introduzir uma nova moeda.

Em 2010 foi lançado o Mecanismo de Cooperação Interbancária dos BRICS para facilitar os pagamentos transfronteiriços entre os bancos dos BRICS em moedas locais. Os países envolvidos estão também a desenvolver o “BRICS pay ”, um sistema de pagamento para transações entre os BRICS, sem a necessidade de converter a moeda local em dólares.

Para além disso, está em discussão a possibilidade de criação de uma criptomoeda dos BRICS.

Apesar das barreiras à “desdolarização”, a especialista nota a determinação dos BRICS em entrar em ação, até porque, apesar das muitas diferenças entre os cinco países, o bloco conseguiu desenvolver políticas conjuntas e sobreviver a grandes crises, como os confrontos fronteiriços China-Índia em 2020-21 e a guerra na Ucrânia.

“Falar de uma nova moeda dos BRICS em si é um importante indicador do desejo de muitas nações de diversificar para além do dólar. Não vai emergir uma nova ordem económica global ou a desdolarização da noite para o dia. Mas pode emergir potencialmente do compromisso do BRICS de coordenar as suas políticas e inovar”, destaca Mihaela Papa.

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