Estorvos Literários

natureza morta

eu-sem-poesia:

Os livros são dorsos de estantes distantes quebradas.
Estou dependurada na parede feita um quadro.
Ninguém me segurou pelos cabelos.
Puseram um prego em meu coração para que eu não me mova
Espetaram, hein? a ave na parede
Mas conservaram os meus olhos
É verdade que eles estão parados.
Como os meus dedos, na mesma frase.
Espicharam-se em coágulos azuis.
Que monótono o mar!

Os meus pés não dão mais um passo.
O meu sangue chorando
As crianças gritando,
Os homens morrendo
O tempo andando
As luzes fulgindo,
As casas subindo,
O dinheiro circulando,
O dinheiro caindo.
Os namorados passando, passeando,
O lixo aumentando,
Que monótono o mar!

Procurei acender de novo o cigarro.
Por que o poeta não morre?
Por que o coração engorda?
Por que as crianças crescem?
Por que este mar idiota não cobre o telhado das casas?
Por que existem telhados e avenidas?
Por que se escrevem cartas e existe o jornal?
Que monótono o mar!

Estou espichada na tela como um monte de frutas apodrecendo.
Se eu ainda tivesse unhas
Enterraria os meus dedos nesse espaço branco
Vertem os meus olhos uma fumaça salgada
Este mar, este mar não escorre por minhas faces.
Estou com tanto frio, e não tenho ninguém…
Nem a presença dos corvos.

Pagu

Teu riso move o mundo de tal forma que eu imploro: ria mais.

Não segure quando sentires vontade de gargalhar por lembrar de quaisquer besteiras que for. Solte o riso, contagie todos ao seu redor, mesmo que a barriga doa, que a boca se canse, ria mais. Chore de alegria, esses minutos transformam a alma, limpam as dores, tornam o que é sublime, simples. Escorregue nessa onda sonora que é a gargalhada de alguém, se deixe levar até que percebas o quanto é gostoso deixar os dentes aparecer. Não lute contra o riso, poucos tem o dom de sorrir à toa. Neruda já dizia que teu amor podia lhe tirar tudo, mas não o riso. O riso é a essência, eu digo: ria mais. Não é preciso um motivo certo, basta apenas um olhar. Ria de cair, de pausar só pra respirar. Dizem que o riso é o antídoto mais poderoso contra aquela velha sensação de estar e nunca ser. Saia rodopiando pelo salão e me tire pra dançar e sem mesmo perceber estaremos indo em direção aos nossos sonhos. Perdido seja aquele que não ouviu as primeiras notas tilintando nos tímpanos da solidão. Encurtes as distâncias, capture quem você ama. Sincronize seu ritmo, esvazie seus pulmões e logo em seguida os recarregue com o alívio, sinta-se leve. Um dia sem rir é um dia sem luz. Ilumine-se! Jorre alegria no coração dos aflitos que acreditam num milagre não vindo, passe brilho reluzente de teu sorriso e mova o mundo. Ria. Ria agora por motivo nenhum. Ria por esse texto. Ria pelos próprios tombos. Tu vives, por isso digo, ria. Ria de alegria. Ria pelo mundo. Ria. Vai. Ria mais.

Nathália Rizzo e Elisa Bartlett.

E se nós fôssemos árvores em tempo de desmatamento?

Não teríamos a glória do silêncio, nem o pouso dos pássaros. Seríamos um povo judiado dessa gente que não manha as manhãs, mas gozam por pôr-do-sol. Mesmo com a nossa imensidão dando-lhes as melhores sombras nos veriam como arbusto desprovido de folhas, tudo isso porque falta amor. Volta ou outra nos dariam abraços, entretanto nos mataria noutro dia. Teríamos medo de quem chegasse perto por receio de opressão, as pessoas choram tuas dores, mas estão com tampão nos olhos ferindo quem não merece sangrar. Ninguém merece sangrar. Nem mesmo as árvores. As árvores sabem o segredo dos lírios e a língua das aves, sabem o arder do sol e sentem o beijo que a lua dá no mundo, tomam banho com o néctar da flores, estão prontas para ser úteis, mas as matam. Ninguém entende os humanos. Não! Ninguém entende as árvores, nem vão entender. Enxergam poesia na guerra pelos direitos, mas não enxergam a poesia dos caules. Mas não sejam tolos, as raízes estão fixas, quando pensares que terminou, se levantará. Se fôssemos árvores em tempo de desmatamento sentiríamos o amargo da injustiça, saberíamos a real dor da traição, perderíamos o sonho e os dias de paz porque a esperança está nos humanos, mas está devastada.

Nathália Rizzo

❝ Se não te toco com minhas mãos
Minha boca e todo meu corpo perdem a sensibilidade.
Tenho que te imaginar
Quando você se vai . .

Frida Kahlo  
“today’s journal entry
”

Lirismo nu íntimo

no abismo o nudismo mostra o monstro em ti
cismo com ironia o cinismo está em si mesmo
veste-se apenas de poesia.

Amor com Vinho

❝ Rimas. Ri mais? Rir, mas de quê? Talvez um quê de queijo, um bê de beijo. Beijo vai, mas bem jovem. Então vem! Nu mesmo, vem nuvem, vem. Mas vem sem. Sem vergonha, sem pudor, sem graça, sem açúcar e sentimento. Se sentir, não vou deixá-lo ir. Sem ir, sem ti, eu não vou a lugar nenhum, nem dois, nem três e nem quartos. Por que mentes? Ah, que mentes não sentiriam saudades doentes… Do ente querido, do ente que queria ter ido, do ente que quase foi. Ufa, e foi por pouco. Já anoiteceu. A noite teceu estrelas, estralos, entranhas e estranhos. A noite teceu trapézios trapezistas, trôpegos, traficantes, trapaceiros e tresloucados. Também temor. Ter amor, amoras, amantes, amarelos… Ah, não. Amá-los ou amar elos? Meio a meio, meio fio, meio feio, meio feito. Essa história meio fora de hora de novo? Sim. De novo, de novo e de manhã, de tarde, de velho, de ontem, de frente, defronte e de ré. Ré é renascer renascentista, iluminista, sulista, turista, budista, autista. Arista? Mundano! Mundo mudo muda mudas. Mudas de gente descrente, descontente, demente, indecente, decadente, ai! Dor de dente, dor de gente. E quem cura? Loucura.

Cinzentos

devemos trazer
nossa própria luz
à
escuridão.

ninguém fará
isso
por nós.
enquanto os moleques
deslizam
ladeira
abaixo

enquanto o chapista
recebe seu último
pagamento

enquanto um cão persegue
outro cão

enquanto o mestre enxadrista
perde mais do que
o jogo

devemos trazer
nossa própria luz
à
escuridão.

ninguém fará
isso
por nós,

enquanto o solitário
telefona
para ninguém
em lugar nenhum

enquanto a grande fera
treme
em pesadelos

enquanto a última temporada
busca encontrar o
foco

ninguém 
fará isso
por nós.


Charles Bukowski, “devemos” em Miscelânea Septuagenária. 

[O que o coração não vê]

pague um preço
pelas minhas atitudes
pesquise meus segredos
meus pecados
meus pesadelos
as virtudes dos meus anseios
a distância dos meus medos
a coragem da minha imagem

descubra
que a minha vida
é a arte de não saber
para onde ir e para onde foi