fbpx

E-fisio

Epicondilalgia Lateral

Uma apresentação musculoesquelética comum em homens e mulheres entre 35 e 54 anos de idade é a dor sobre o epicôndilo lateral do úmero durante cargas musculares dos extensores de punho.

Por: Guilherme Paiva – São Paulo

Epicondilalgia Lateral

Antes denominada epicondilite lateral, vem agora adotando nomes como epicondiloalgia lateral (EL), tendinopatia lateral do cotovelo ou cotovelo de tenista. Esta condição gera incapacidades funcionais significativas no trabalho, esportes, lazer e altos custos tanto em cuidado em saúde quanto em perda de produtividade. 

Esta condição pode ser auto-limitante, mas seu prognóstico tem sido altamente variável, com 83 a 90% de pacientes em lista de espera relatarem melhora significativa, embora nem sempre completa, enquanto 1/3 dos pacientes podem apresentar desconforto prolongado até um ano apesar das intervenções. Além disso, a taxa de recorrência dos sintomas é alta após o primeiro episódio. 

A patofisiologia da EL é multidimensional, com possíveis alterações celulares, do processamento nociceptivo e prejuízos sensoriais e motores. Atualmente, não se relaciona a severidade clínica com a condição única da patologia do tendão, incluindo fatores relacionados ao sistema nervoso, função física e fatores psicológicos para o diagnóstico e gestão da EL. 

As características histológicas da EL são semelhantes às de outras tendinopatias comuns e incluem aumento da celularidade, acúmulo de substância fundamental, desorganização do colágeno e crescimento neurovascular. Os locais mais comuns de degeneração focal são as fibras profundas e anteriores do músculo extensor radial curto do carpo na origem do tendão extensor comum. 

O tendão do extensor radial curto do carpo se funde com o ligamento colateral lateral, que por sua vez se funde com o ligamento anular da articulação radioulnar proximal. O compartilhamento de carga, então, ocorre entre essas estruturas e pode explicar o envolvimento progressivo do ligamento colateral lateral em apresentações clínicas mais graves de EL.

Anatomia e biomecânica da Epicondilalgia Lateral

A articulação do cotovelo desempenha a função de posicionar a mão no espaço (cadeia aberta) e empurrar objetos / aplicar forças através da mão (cadeia fechada). Apresenta um ângulo de carregamento, ou seja, um valgo fisiológico que varia entre 12 a 14° em homens e 12 a 16º em mulheres.

As articulações ulnoumeral e radioumeral são suportadas medialmente pelo ligamento colateral ulnar, uma estrutura em forma de leque, e lateralmente pelo ligamento colateral radial, uma estrutura em forma de cordão.

A articulação radioulnar superior é uma articulação pivô uniaxial. A cabeça do rádio é mantida em relação adequada com a ulna e o úmero pelo ligamento anular, que compõe quatro quintos da articulação. As três articulações do cotovelo são inervadas por ramos dos nervos musculocutâneo, mediano, ulnar e radial.

Os tecidos que ajudam na coaptação articular e estabilidade do cotovelo são: ligamento colateral ulnar, ligamento colateral radial, músculo tríceps braquial,  músculo bíceps braquial, músculo braquial, músculo pronador redondo, músculos extensores e flexores do punho. 

Os músculos supinador e extensores do punho e dedos são os relacionados a EL por conta da sua inserção na região do epicôndilo lateral. Os extensores do punho e dedos, além de suas funções ativas, também auxiliam contra o estresse em varo no cotovelo. 

Na fase de armação e aceleração do arremesso, há maior estresse em valgo comprimindo os tecidos laterais do cotovelo e tensionando os mediais. Na fase de desaceleração, há o inverso, principalmente tensão nos tecidos laterais. No movimento de backhand do tênis, a força gerada pela movimentação do corpo é transferida para a bola, enquanto cotovelo e punho são mantidos relativamente na mesma posição exigindo contração vigorosa. 

Aparentemente, quando a mecânica exige mais do cotovelo, como um maior movimento do cotovelo no backhand, a maior sobrecarga predispõe a sintomas laterais um cotovelo. Além disso, no backhand, a posição do punho em flexão também aumenta a sobrecarga nos músculos extensores do punho e leva à problemática citada anteriormente.

 

Epidemiologia da Epicondilalgia Lateral

Na população em geral, aproximadamente de 1 a 3% das pessoas apresentam EL, com riscos aumentados naqueles que são fumantes, trabalhadores manuais e jogadores de tênis. Estima-se que até 5% dos pacientes não respondem positivamente ao tratamento conservador e são submetidos a cirurgia com resultados variando entre os estudos. Calcula-se que, aproximadamente, 40% das pessoas poderão ter EL em algum ponto de suas vidas, e que 50% dos tenistas tenham algum tipo de dor no cotovelo.

 

Avaliação da Epicondilite Lateral

O diagnóstico de EL é clínico, com o exame físico provocando a dor do paciente através da aplicação de cargas. A dor do paciente deverá ser relatada sobre o epicôndilo lateral em, pelo menos, uma de três formas: palpação do epicôndilo lateral; extensão resistida do punho, dedo indicador ou dedo médio; ou com o movimento resistido de preensão palmar.  

Teste de Cozen

O terapeuta palpa o epicôndilo lateral. O paciente fixa o antebraço em pronação e desvio radial do punho. O terapeuta aplica força contra o desvio radial do punho do paciente. Se a dor do paciente for reproduzida sobre o epicôndilo lateral o teste será considerado positivo.

Extensão resistida do terceiro dedo

O terapeuta aplica força contra a extensão do terceiro dedo do paciente. Se a dor do paciente for reproduzida sobre o epicôndilo lateral o teste será considerado positivo.

Teste de preensão palmar

O paciente aplica força de preensão palmar contra um dinamômetro ou similar. Se a dor do paciente for reproduzida sobre o epicôndilo lateral o teste será considerado positivo.

Importante lembrar do diagnóstico diferencial excluindo patologias que justifiquem a dor ou coexistam com EL. Alterações neurológicas, como perdas sensoriais e motoras progressivas,  obrigam exame minucioso e, se necessário,  encaminhamento. A avaliação da coluna cervical e torácica e da função do nervo radial deverá também ser prioridade particularmente quando houver dor cervical ou difusa no braço concomitante ou presença de parestesias/disestesias. 

A reprodução de dor na região lateral do cotovelo durante a palpação cervical, movimentos ativos ou passivos ou a combinação dos movimentos cervicais deverá elevar a suspeita de dor radicular ou referida da cervical. 
 

Teste de Spurling

Do mesmo modo, a sensibilidade aumentada do nervo radial ao estímulo mecânico pode ser avaliada pelo teste neurodinâmico e a palpação ao longo do nervo. 

Teste neurodinâmico do nervo radial

Depressão suave da cintura escapular, extensão do cotovelo, rotação interna do ombro, pronação do antebraço, flexão do punho e dedos, seguido de abdução do ombro.

Deve-se avaliar a amplitude de movimento do cotovelo, punho e antebraço, bem como os movimentos acessórios da articulação rádio-ulnar, rádio-umeral e úmero-ulnar.

É comum o uso de exames de imagem como ultrassom e ressonância magnética para o diagnóstico de EL, mas não há consenso para associação entre a severidade das mudanças do tendão e os sintomas do paciente. 

Assim, é necessária cautela na interpretação dos exames e tomada de decisão clínica. Se o paciente relatar clique ou travamento, tomografia computadorizada, ressonância magnética ou artrografia por ressonância magnética podem ser usadas para detectar outras patologias, como corpos soltos, danos na cartilagem articular, lesão ligamentar ou síndrome da prega sinovial do cotovelo (plica). 

Disfunção objetiva (motora) da musculatura inervada pelo nervo interósseo posterior deve ser usada como requisito para o diagnóstico de aprisionamento do nervo interósseo posterior, ou seja, um diagnóstico diferencial já que a apresentação pode ser similar ou combinada.

 

Tópicos de tratamento da Epicondilalgia Lateral

Ainda não há um consenso do melhor tratamento para a EL, pois há uma associação complexa de fatores anatômicos, biomecânicos, patofisiológicos e psicossociais que resultam em diversos tipos de tratamento descritos na literatura.

Técnicas de terapia manual podem ser benéficas para alívio da dor e melhora da preensão palmar, entre elas estão o deslizamento lateral ulnar-umeral e deslizamento póstero-anterior da cabeça do rádio, ambas técnicas de mobilização com movimento de Mulligan. Há também sugestões de que técnicas de terapia manual direcionadas às regiões cervical e torácica fornecem benefícios clínicos adicionais além do tratamento local do cotovelo apenas em pacientes com EL e comprometimento da coluna cervical ou torácica coexistentes.

Foi demonstrado que o exercício leva a uma regressão maior e mais rápida da dor em pacientes com EL crônica, menos licenças médicas, menos consultas médicas e maior capacidade para o trabalho. Apesar dos benefícios claros, a intensidade, duração, frequência e tipo de carga de exercício mais ideais para a reabilitação da EL ainda não foram estabelecidos. As diretrizes gerais recomendam a aplicação de resistência gradualmente crescente, com foco nos músculos extensores do punho. 

Há favorecimento para o exercício excêntrico sobre o concêntrico, enquanto outros estudos não indicam diferenças entre programas concêntricos ou combinados/excêntricos. Há também opiniões conflitantes sobre se a dor deve ser provocada durante o exercício. Alguns insistem que a dor deve ser evitada durante o exercício, enquanto outros sugerem que a dor durante o exercício inferior a 5 em uma escala analógica visual de 10 cm é permitida. Por isso, o nível de irritabilidade e o raciocínio quanto aos mecanismos de dor é imprescindível. O mesmo acontece com o uso de órteses/braces que apresentam conflitos para sua indicação, tendendo ao uso em casos mais agudos ou com dor noturna. 

Os exercícios isométricos dos músculos extensores do punho têm um papel importante, baseado em sua função estabilizadora do punho em muitas atividades. Embora seu efeito sobre a dor em pacientes com EL necessite de mais estudos, as contrações isométricas parecem mostrar um efeito analgésico. 

Em tendinopatia reativa ou sintomas irritáveis, contrações isométricas suaves e sem dor de 30 a 60 segundos de duração, realizadas diariamente, com o punho em 20° a 30° de extensão e cotovelo em 90° de flexão, podem ser mais apropriadas que contrações excêntricas. A progressão também pode ser alcançada aumentando a duração da contração (até 90 segundos) e aumentando a carga (através de um peso livre ou resistência elástica). 

Os exercícios também devem abordar deficiências de controle motor, como dissociação do punho da extensão do dedo e retreinamento do alinhamento do punho durante a preensão. 

Os pacientes devem ser orientados a reduzir temporariamente os estresses físicos sobre a região dolorosa, seja pelos movimentos, cargas ou posturas do braço. Além disso, devem ser encorajados a reintroduzir gradualmente tarefas mais extenuantes e a reduzir a carga do tendão se houver recorrência.

Acupuntura, dry needling e laser parecem ser medidas que ajudam no alívio da dor, apesar de ainda carecer de melhores estudos. Já o US, Fonoforese e ondas de choque não são indicadas pelos grandes conflitos na literatura.

Com relação à medicação inflamatória, há um conflito de evidências na literatura para a gestão da EL, e as injeções corticoesteroidais não são sugeridas como intervenção de primeira linha.

De maneira geral, os programas de reabilitação multimodais são mais efetivos no tratamento de EL uma vez que abrangem mais componentes que podem modificar esta condição. Além disso, a combinação de modalidades pode somar os efeitos analgésicos e biológicos e, consequentemente, direcionar melhor o tratamento, aumentar a velocidade de retorno às atividades e a satisfação do paciente.

Uma questão que surge é se o termo tendinopatia lateral do cotovelo é apropriado quando há dor persistente. Esta condição precisa, talvez, deixar de ser reconhecida apenas como tendinopatia e passar a ser entendida, em parte, como um distúrbio também com envolvimento do meio bioquímico do músculo extensor comum dos dedos e do nervo radial. 

Um termo recomendado poderia ser Síndrome da dor lateral do cotovelo, que representa um grupo de sinais e sintomas que ocorrem juntos e caracterizam uma anormalidade ou condição particular. O termo síndrome da dor lateral do cotovelo pode ser um rótulo que faz referência a uma variedade de diagnósticos de dor lateral do cotovelo, como tendinopatia, envolvimento do nervo, pontos-gatilho miofasciais e disfunção cervicotorácica, todos envolvidos na tendinopatia lateral do cotovelo persistente.

 

Critérios de alta na Epicondilalgia Lateral

Como medidas de resultado, são sugeridos o teste de preensão sem dor e o questionário Patient-Rated Tennis Elbow Evaluation (PRTEE). O teste de preensão sem dor é executado com um dinamômetro para mensurar a força aplicada até o início da dor. 

A realização se dá com extensão do cotovelo e antebraço em pronação, repetindo três vezes com um minuto de intervalo, e comparando a média das três medidas entre os lados afetado e não afetado. Um posicionamento alternativo é com o cotovelo flexionado a 90° e o antebraço em neutro. 

O  questionário PRTEE mensura a dor e incapacidade, onde uma maior pontuação se refere a maior dor e incapacidade. Sugere-se uma redução de pelo menos 11 pontos ou uma melhora de 37% sobre a linha de base no questionário PRTEE para uma melhora ser considerada significativa. 

A Escala Funcional Específica do Paciente (EFEP) também pode ser utilizada para mensurar o progresso dos pacientes com problemas na extremidade superior. Na EFEP, uma maior pontuação significa maior capacidade de realizar as atividades ao nível pré-lesão e uma diferença mínima clinicamente importante é considerada a partir de 1.2 pontos.

Referências

STASINOPOULOS D, PAPADOPOULOU M. Is Lateral Elbow Tendinopathy an Appropriate Clinical Diagnostic Term When the Condition Is Persistent? Journal of Clinical Medicine. 2022; 11(9):2290. 

COOMBES BK, BISSET L, VICENZINO B. Management of Lateral Elbow Tendinopathy: One Size Does Not Fit All. J Orthop Sports Phys Ther. 2015 Nov;45(11):938-49.

CHAD E. COOK, ERIC J. HEGEDUS. Orthopedic Physical Examination Tests: An Evidence-Based Approach. Pearson, 2ªed, 2013.

BISSET LM, VICENZINO B. Physiotherapy management of lateral epicondylalgia. J Physiother. 2015 Oct;61(4):174-81

DONALD A. NEUMANN. Cinesiologia do aparelho musculoesquelético. Campus, 2ªed. 2011.

Mais do E-fisio

Epicondilalgia Medial​

Epicondilalgia Medial O cotovelo de golfista (epicondilite medial, tendinose, epicondilalgia medial ou cotovelo do arremessador) é uma tendinopatia que afeta o tendão flexor …

Lesão do manguito rotador

Lesão do manguito rotador A lesão do manguito rotador é considerada uma causa comum de dor no ombro, apesar de ser apenas um …

Síndrome do impacto do ombro

Síndrome do impacto do ombro A Síndrome do impacto do ombro, ou Síndrome do Impacto Subacromial (SIS), é uma das afecções em que …

 

Olá

Registre-se conosco para poder colaborar com artigos e conteúdos.

Ou entre caso já seja registrado.
Login