“CRIANÇAS SELVAGENS”, CORPOS SEM ALMA? por clara castilho

9349741_b7nUlContinuemos a falar de “crianças selvagens”. Há vários casos de crianças selvagens que ficaram na história, pelo estudo que delas fizeram grandes médicos. Alguns autores chamaram as estas crianças oligofrénicas, pondo a hipótese que esta tenha sido a causa do seu abandono. Mas outros defendem que nos encontramos perante oligofrenias por privação dos contactos humanos.

Lucien Malson escreveu “As crianças selvagens – mito e realidade” (Livraria Civilização, 1967, Porto). Aí defende que, no caso das crianças selvagens, nos devemos referir à aptidão para ser educado, à evolução no caminho do conhecimento e ao desenvolvimento no domínio dos sentimentos, no “tríplice aspecto da “selvageria”: o da criança encarcerada, o da criança animalizada e o da criança solitária”.

Lembremos o caso de Mowgli que o escritor inglês Kipling criou,  uma figura romântica  que veio a eternizar-se pelo filme da Wall Disney, O Livro da Selva (1967).

Voltemos às duas meninas completamente selvagens, Amala e Kamala, resgatadas por uma expedição que massacrou os lobos com quem elas viviam, no norte da Índia, em 1920, passaram a ser conhecidas por “meninas lobo”. O comportamento das duas crianças causou espanto, pois “quando foram encontradas, as meninas não sabiam andar sobre os pés, mas se moviam rapidamente. Não falavam, seus rostos eram inexpressivo, só queriam comer carne crua, repeliam o contacto dos seres humanos e preferiam a companhia de cachorros e lobos. Com o evoluir da intervenção junto delas, em que se quis impor os hábitos “civilizados”, o máximo que se conseguiu foi que uma delas aprendesse a caminhar só com as pernas e mudar seus hábitos alimentares, dissesse algumas palavras. Ninguém tentou perceber os traços do traumatismo das sus experiências anteriores.

Para o autor já referido, “Será preciso admitir que os homens não são homens fora do ambiente social, visto que aquilo que consideramos ser próprio deles, como o riso ou o sorriso, jamais ilumina o rosto das crianças isoladas”.

Outro interessante livro é o de Michael Newton,  “The Child of Nature” (rótulo dado às crianças selvagens, crescidas em florestas, no século XVIII). Fala-nos, por exemplo de de Peter the Wild Boy, um menino selvagem encontrado em uma floresta perto de Hanover, que teria chegado a Londres na primavera de 1726 como protegido do Príncipe e da Princesa de Gales, de Memmie Le Blanc, uma garota selvagem encontrada na região de Champagne em 173. E de Ivan Mishukov, um pequeno moscovita que fugira de casa para morar nas ruas aos quatro anos de idade, fora adotado por um grupo de cachorros e, mais tarde, se teria tornado o líder da matilha. Fala-nos de Kaspar Hauser, de  John Ssabunnya, um órfão de Uganda, que teria vivido por alguns anos com uma família de macacos,. E mais rfecentemente, de Genie (ou Susan M. Wiley) nasceu em 1957 e viveu praticamente todos os seus primeiros 13 anos em total isolação da sociedade. Foi descoberta pelas autoridades de Los Angeles em 1970,  desconhecendo a linguagem e com um nível de uma criança de quinze meses de idade.

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Uma metáfora  percorre quase toda a narrativa: a de que essas crianças seriam a imagem inversa de fantasmas; enquanto os espíritos são “almas sem corpos”, as crianças selvagens foram vistas por muitos como corpos sem alma.
Cpomo é possível acontecer ? Pois com a idade de vinte meses, um médico terá dito que iria ser uma criança “atrasada”o que levou a que o pai, com o intuito de a proteger, a tenha privado de todo contacto com a sociedade. Ficou presa sem manter qualquer comunicação com outrem.

Pensemos porque isto acontece. A educação é um processo que se inicia aquando do nascimento da criança, em que os pais, família e comunidade se empenham para que o novo ser se desenvolva adequadamente e aprenda a viver na sociedade em que nasceu. Isto faz-se de forma inconsciente mas contínua.

Os dias vão passando e a criança vai aprendendo aquilo que deve aprender: a comunicar e o quê, a falar, a relacionar-se com os outros, as regras, os valores e as crenças. Umas coisas são por simples observação e imitação, outras por imposição, por recompensa… Tornou-se um igual a nós? Está bem integrado ? Ou virá a ser um problemático?

Impor ou abrir horizontes, eis as formas de ver a educação. Criança igual a tábua rasa ou criança que contem um núcleo a desabrochar?

Voltemos ao jovem Victor e a Jean Itard. João dos Santos (texto não publicado, 9 de Janeiro de 1978, na apresentação do filme de Truffaut) afirmou: “O trabalho exemplar de Itard, que lutando contra todos os preconceitos acerca da natureza inata da idiotia e da irreversibilidade do estado desta “criança selvagem” foi o primeiro passo histórico para a recuperação das crianças deficientes mentais. A sua inteligência e a dedicação fizeram prodígios no aspecto técnico que ainda hoje merecem a nossa atenção, por constituírem contribuições definitivas no campo da reeducação”.  Fico a pensar na forma como ainda hoje muitas crianças são tratadas, aqui e agora. Parece que o passado de pouco serviu e continuamos a repetir os mesmos erros…

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