Onda verde propõe debate sobre aborto em países onde é criminalizado

Decisão favorável da Suprema Corte Mexicana terá impacto na região

Publicado em 28/09/2023 - 14:52 Por Télam - Buenos Aires

A onda verde que promoveu a legalização do aborto na Argentina, na Colômbia e recentemente no México “fortalece” e “amplifica” o debate sobre o assunto na região da América Latina e do Caribe, mesmo em países como El Salvador, onde existem leis restritivas e processos de criminalização, dizem organizações feministas consultadas pela Télam, no âmbito do Dia Global de Ação pelo acesso ao Aborto Legal e Seguro, comemorado nesta quinta-feira (28). O nome onda verde refere-se aos lenços verdes (pañuelos verdes) usados por ativistas favoráveis à legalização do aborto.

"Regionalmente estamos em um momento politicamente complexo e polarizado, em que temos avanços significativos nos direitos das mulheres em determinados países, mas também um avanço preocupante da extrema-direita, com ideias políticas contrárias aos direitos humanos e, evidentemente, ao acesso ao aborto legal e seguro", explicou Isabel Fulda, vice-diretora do Grupo de Informação sobre Reprodução Escolhida (GIRE), à Télam, a partir da capital mexicana.

Para a ativista, analisar o impacto que a recente decisão do México poderá ter em outros países da região é “difícil”, mas “a onda verde é um movimento poderoso, com um efeito, pelo menos em termos de movimento social e cultural, que transcende os contextos nacionais”.

“É por isso que espero que o que aconteceu no México, na Argentina e na Colômbia possa ajudar a impulsionar um pouco as restrições e o conservadorismo na América Central”, disse ele.

Ativistas vão às ruas do centro do Rio de Janeiro em marcha pela legalização do aborto na América Latina.
México foi o último país da região com decisão da Suprema Corte favorável ao aborto. Tema também está na pauta do Supremo brasileiro - Fernando Frazão/Agência Brasil

Descriminalização no México

Fulda considerou “muito importante” a decisão do Supremo Tribunal de Justiça do México, em 6 de setembro, que estabeleceu que todas as mulheres podem ter acesso à interrupção voluntária da gravidez (IVE) sem serem criminalizadas, nem os profissionais de saúde que a realizam, revogando os artigos do Código Penal Federal que puniam com prisão as mulheres que abortassem no país.

Quase quatro semanas após conseguir a legalização do aborto, Fulda destacou que não houve grandes alterações legislativas, uma vez que o Tribunal ainda não publicou a decisão completa, embora o Congresso tenha até 15 de dezembro para tornar a decisão efetiva.

Entretanto, aqueles que se manifestaram foram grupos conservadores como o Episcopado Mexicano, que representa a hierarquia da Igreja Católica no país.

“Para além da sua posição política sobre o assunto, que é obviamente contrária, expressaram uma interpretação da decisão que não é correta”, uma vez que os efeitos da resolução foram apenas para as pessoas representadas pelo GIRE – já que foi esta ONG que apresentou a proteção contra o Congresso e pela qual foi decretada a decisão – e a decisão foi “declarar inconstitucional o crime de aborto em nível federal”, esclareceu Fulda.

Na mesma linha, Ruth Zurbriggen, membro da Red Compañera, uma organização latino-americana de acompanhantes de pessoas que querem ou precisam de um aborto, concordou que a situação do aborto na América Latina e no Caribe “não é homogênea”, pois há países com leis muito restritivas e países onde avançaram nos processos de legalização.

Ativistas vão às ruas do centro do Rio de Janeiro em marcha pela legalização do aborto na América Latina.
Ativistas vão às ruas do centro do Rio de Janeiro em marcha pela legalização do aborto na América Latina - Fernando Frazão/Agência Brasil

No entanto, em conversa com a Télam, Ruth explicou que há um impacto do processo da onda verde em todos os países da região, mesmo naqueles com maior criminalização.

"Os efeitos sociais e culturais da expansão dos direitos em outros lugares fortalecem, amplificam e acaba por melhorar os litígios nos países onde a criminalização está na ordem do dia".

Interrupção voluntária de gestação

Segundo a ONG americana Center for Reproductive Rights, os países da região da América Latina e Caribe onde a interrupção da gestação foi descriminalizada e permitida até certo ponto da gravidez são Colômbia (2022), Argentina (2020), Uruguai (2012), Porto Rico (1976), Guiana Francesa (1975) e Cuba (1968).

Outros países como Bolívia, Equador, Brasil, Peru, Venezuela, Guatemala e Paraguai só permitem o aborto em casos e condições específicas, como risco de vida da gestante ou se for gravidez resultante de estupro.

Por outro lado, Nicarágua, El Salvador, Honduras, Haiti, República Dominicana, Jamaica e Suriname mantêm uma proibição total do acesso ao aborto.

Sobre isso, o presidente salvadorenho Nayib Bukele declarou que o aborto parecia um “genocídio” para ele. A fala foi durante uma entrevista no Instagram, em março de 2020, com o rapper porto-riquenho Residente.

"A proibição do aborto no país tem implicações para a saúde e a vida das mulheres. Por exemplo, em gestações ectópicas (quando o óvulo fertilizado está fora do útero), os médicos têm que esperar até que não haja frequência fetal, então ocorre sangramento e algumas mulheres morrem", explicou a presidente do Grupo de Cidadãos pela descriminalização do aborto, Morena Herrera, de San Salvador, capital do país.

Além disso, Morena afirma que levar adiante uma gravidez indesejada fez do suicídio a primeira causa indireta de morte materna em mulheres adolescentes em seu país.

Entretanto, embora não existam estatísticas oficiais sobre o problema, a defensora dos direitos sexuais e reprodutivos disse estima que no ano passado houve cerca de 6 mil mulheres hospitalizadas após terem feito um aborto.

“Há mulheres que foram presas e condenadas por homicídio agravado por vínculo parental – a vítima é o filho – com penas até 50 anos de prisão”.

Neste sentido, a aprovação da descriminalização do aborto no México “tem um impacto positivo em El Salvador e no resto da região”, embora “não seja imediato”, disse à Télam, referindo-se ao fato de que no país há uma disputa com pessoas antidireitos que “têm alianças com o presidente e outros líderes”, por isso “levar a questão do aborto às ruas é um desafio”.

Ativistas vão às ruas do centro do Rio de Janeiro em marcha pela legalização do aborto na América Latina.
Centro do Rio de Janeiro - Fernando Frazão/Agência Brasil

Morena deu como exemplo o caso de Beatriz, a jovem salvadorenha que morreu em consequência de um aborto, que foi levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

“Sabemos que o tribunal está sendo pressionado para não emitir uma decisão que diga claramente ao Estado de El Salvador que deve mudar a legislação e as políticas”, concluiu.

Para Zurbriggen, os desafios da região são não regredir no que foi alcançado porque “a decisão de abortar não pode ser considerada um crime” e “os antidireitos e antifeministas terão dificuldade em reverter tudo”.

O dia 28 de setembro foi declarado o Dia de Ação Global para Aceso ao Aborto Legal e Seguro, no âmbito do V Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho realizado na Argentina em 1990, para legalizar esta prática e assim evitar a morte de muitas mulheres.

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