Silvestre Lacerda - junho 2017

Silvestre Lacerda é diretor-geral do Arquivo Nacional da Torre do Tombo / Foto: Direitos Reservados

Silvestre Lacerda, 59 anos, é diretor-geral do Arquivo Nacional da Torre do Tombo e diretor da Direção-Geral dos Livro, Arquivos e Biblioteca desde 2005. Ao Vivacidade, o responsável pelo principal centro de documentação do país revela que ainda “há documentação sobre Gondomar por investigar”.

Assumiu a direção-geral da Torre do Tombo em 2005. O cargo ainda é de nomeação política?
Em 2005, era. Fui nomeado diretamente pela ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima. Em 2012, com a fusão entre a direção-geral de arquivo e a direção-geral do livro e das bibliotecas, o que levou o secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, a criar a Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas.

Qual a duração do mandato?
O mandato do diretor-geral têm a duração de cinco anos. Eu termino este mandato em 2020.

Qual o cenário com que se deparou após a tomada de posse na Torre do Tombo? O que lhe foi pedido em 2005?
Foi-me pedido que reestrutura-se a política arquivística nacional. Na altura, a direção fez um documento estratégico relativamente à política arquivística nacional e um dos objetivos principais era garantir a disponibilização e acesso aos documentos da Torre do Tombo, quer presencialmente quer digitalmente.

Qualquer cidadão nacional e internacional que tenha mais de 18 anos, pode aceder aos documentos da Torre do Tombo.

Acumula também a missão de coordenar os arquivos distritais de Portugal. É uma responsabilidade acrescida?
Exatamente. Apesar de existir uma delegação de competências nesse sentido, a direção-geral da Torre do Tombo é responsável por gerir a rede de arquivos distritais. Foi-me pedida uma reforma na gestão de documentos da Administração Pública portuguesa, porque os arquivos não se referem apenas à Cultura. As bibliotecas, os museus e outros serviços produzem documentos que só por si contam a história de Portugal.

Tudo isto coincide com a reforma tecnológica e com uma capacidade de digitalização muito grande. Decidimos investir nessa direção da democratização do acesso à informação.

Quais os motivos que levam os cidadãos a procurar a Torre do Tombo?
Está em voga os cidadãos internacionais virem à Torre do Tombo procurar documentos que comprovem as suas ascendências portuguesas, com o objetivo de pedir a cidadania portuguesa e garantir a cidadania europeia. Esta informação só se encontra nos arquivos. Os arquivos constituem os laboratórios de investigação histórica, linguística, entre outras…

Por exemplo, hoje existem muitas dúvidas sobre a limitação do couto de Rio Tinto, mas essa informação poderá estar nos arquivos, tem que ser explorada.

Hoje em dia as pessoas preferem a pesquisa online ou os documentos em papel?
Posso dizer-lhe que um ano de disponibilização de documentos online corresponde a 60 anos de leitura presencial. Temos cerca de nove milhões de visitas diferentes ao site e o tempo de permanência médio na página é de 12 minutos. Isto significa que as pessoas utilizam o nosso site como uma ferramenta de trabalho.

O site oficial da Torre do Tombo é visitado por cidadãos de 130 países diferentes. Temos documentos que despertam interesse de cidadãos e universidades internacionais. Essa difusão da língua portuguesa só nos engrandece.

Os arquivos da PIDE continuam a ser uma caixa de pandora da Torre do Tombo?
Ainda há muito por contar, mas desde 1994 que os arquivos da PIDE estão abertos ao público. Ou seja, podemos aceder a qualquer um dos documentos da PIDE. Os ficheiros da PIDE têm cerca de seis milhões de fichas individuais de cidadãos.

O primeiro livro do Registo Geral de Presos também está disponível online para consulta, porque já tem mais de 50 anos. Todos os outros podem ser consultados na Torre do Tombo.

Na Torre, temos registos da população portuguesa desde o século XVI até 1911. Esses dados estão agora a ser atualizados com nova documentação dos arquivos distritais.

O que podemos encontrar nesses documentos da PIDE?
Encontramos informações detalhadas sobre os indivíduos detidos e os motivos pelos quais foram capturados. Existem vários casos como “desprestigiar o Presidente do Conselho em público”, dizer “viva a Rússia!” ou cantar o fado. Os documentos comprovam claramente a existência de um clima de medo instalado pela polícia política.

Que outros raros exemplares encontramos na Torre do Tombo?
Temos alguns exemplares do livro antigo (obras publicadas antes do século XX). Temos milhares de livros dos antigos conventos, fruto da extinção das ordens religiosas masculinas e femininas.

O documento mais antigo da Torre do Tombo data de 882, século IX, que pertence ao Mosteiro de Cete e diz respeito à apresentação do abade de Lardosa, Penafiel.

Recentemente, foi apresentado em Rio Tinto o documento mais antigo escrito em língua portuguesa. Poderão existir mais documentos sobre Gondomar na Torre do Tombo?
Todos os dias somos surpreendidos com a informação que existe na Torre do Tombo. A nota de fiadores a que se refere faz parte da documentação provinda do Mosteiro de Rio Tinto. O trabalho da professora Ana Maria Martins é válido e perfeitamente capaz, mas há outros trabalhos nesse sentido e ainda há documentação sobre Gondomar por investigar.

Julgo que se quisermos aprofundar a história do concelho, essa história está gravada no Arquivo Distrital do Porto.

A preservação digital é o grande desafio para o futuro?
Sem dúvida. Existe um grande esforço de promover a digitalização de documentos, mas isso coloca-nos problema de autenticidade dos documentos originais, porque a assinatura vai-se perdendo com o tempo e sucessivas cópias.

Vivemos num paradigma digital, mas o papel ainda tem grande importância. Esta é uma alteração que será geracional. Terá que existir um manual de boas práticas de preservação digital. As assinaturas digitais deixam de ser válidas num período de 10 anos, por isso necessitam de ser renovadas.

É avaliável o património existente na Torre do Tombo?
Não é possível avaliar documentos como a bula “Manifestus Probatum”, o Tratado de Tordesilhas ou a carta de Pêro Vaz de Caminha, por exemplo. Os documentos de arquivo são únicos e isso torna-nos impossíveis de avaliar.

Quantos funcionários gerem o arquivo da Torre do Tombo?
A Direção-Geral tem 352 colaboradores e a Torre do Tombo tem 110 funcionários e movimenta, por ano, 15 mil utilizadores presenciais e 400 mil caixas de documentos.

O edifício da Torre do Tombo tem cerca de 25 mil metros quadrados, que correspondem a cinco campos de futebol.

O Governo reconhece que as infraestruturas da Cultura estão suborçamentadas, esse reconhecimento é público, mas temos um orçamento anual que vem listado no Orçamento de Estado.

Quais são os principais objetivos até ao final do seu mandato?
Gostaria de aprofundar a digitalização e disponibilização de documentos. Queria concluir a digitalização completa dos registos de batismo, casamento e óbito de todo o país até 1911. Além disso, gostaria de chegar aos 50 milhões de imagens digitalizadas no nosso site.


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Fonte: Vivacidade

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